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segunda-feira, 1 de julho de 2019
domingo, 16 de junho de 2019
ATOS 28
ATOS
28
Ainda vemos a mão protetora
de Deus estendida sobre Paulo e seus companheiros quando eles desembarcaram em
Malta. Embora os habitantes fossem “bárbaros”
de acordo com os pensamentos romanos, eles mostraram uma bondade excepcional ao
grupo naufragado, e as coisas estavam tão dominadas que logo descobriram que um
dos visitantes naufragados não era uma pessoa comum. Paulo estava ocupado,
fazendo o que podia para ajudar, quando uma víbora mordeu sua mão. Os ilhéus
supersticiosos colocaram sua interpretação sobre isso, mas quando o esperado
não aconteceu, mudaram de ideia, pulando para a conclusão oposta. A superstição
nunca chega a conclusões corretas. Para Paulo, sem dúvida, foi um acontecimento
muito menor, visto que ele havia passado pela longa lista de aventuras que
catalogou em 2 Coríntios 11:23-28. E quando ele escreveu essa lista, ainda
estava inacabada. Ele não passara, por exemplo, pelo naufrágio do qual estivemos
lendo. Ele havia naufragado três vezes antes que isso acontecesse. Não há
muitos que sobreviveram a quatro naufrágios, nos aventuramos a pensar, mesmo
que fossem velejadores profissionais, o que ele não era.
Paulo teve oportunidade de
recompensar o chefe da ilha orando e curando o pai dele, tendo em vista o gentil
interesse que tivera por todos eles em suas necessidades. Não lemos sobre
qualquer testemunho que Paulo tenha prestado, mas sua oração deve ter mostrado
a todos que o poder de cura que ele exercia não era dele, mas ligado a Deus. Os
ilhéus, achando que o poder de Deus estava no meio deles, não demoraram a
buscá-lo para cura de seus corpos, e ao procurá-lo, a encontraram. Tudo isso,
na providência de Deus, levou a um tempo de conforto após a quinzena de terrível
teste, e até mesmo a um tempo de honra, e isso durou três meses. O apóstolo havia
registrado: “Sei estar abatido, e sei
também ter abundância” (Fp 4:12). Estes três meses provaram ser um tempo de
abundância.
O mesmo pode ser dito do resto
da jornada, quando foi retomada. Tudo correu favoravelmente e chegando a
Putéolos, e, encontrando irmãos ali que imploravam a Paulo que ficasse com eles
por uma semana, a visita foi organizada de forma feliz. A essa altura,
evidentemente, o centurião no comando havia tomado a medida de seus
prisioneiros e estava disposto a conceder-lhe notável liberdade. Na viagem
terrestre também, irmãos vieram ao seu encontro, tendo ouvido falar de sua
aproximação, e isso foi um grande alento para Paulo. Embora fosse homem
espiritual, e completamente em contato com Deus e dependente d’Ele, ele não
estava acima de agradecer a Deus e se encorajando no amor e na comunhão dos
santos, cuja estatura espiritual pode ter estado muito abaixo da sua. É
impressionante ver isso e muito encorajador para nós. Tenhamos muito cuidado
para não desprezar ou mesmo subestimar o valor da comunhão dos santos.
Assim Paulo chegou a Roma.
Suas circunstâncias eram muito diferentes daquelas que ele tinha visualizado
quando escreveu antes relatando o que pretendia fazer (veja Romanos 15:22-32),
mas ele tinha chegado a eles com
certa dose de alegria pela vontade de Deus, e ele foi marcado pela “plenitude
da bênção do evangelho de Cristo”. A mão de Deus ainda estava sobre ele,
pois, apesar de ser um prisioneiro, ele foi autorizado a habitar sozinho sob
guarda, e isso deu-lhe certa liberdade de serviço e testemunho.
Apenas três dias depois de
sua chegada, ele foi capaz de reunir o chefe da colônia judaica em Roma e
colocar algo de seu caso diante deles. Ele deixou claro que não desejava ser um
acusador de sua nação, mas que toda sua ofensa aos olhos dos judeus estava
conectada com a “esperança de Israel”;
isto é, o Messias há muito tempo prometido. Os judeus, por sua vez, professavam
ignorância a respeito de seu caso, mas sabiam do Cristo que Paulo pregava e que
ser um Cristão significava para eles pertencerem a uma “seita ... que em toda parte
se fala contra ela”. Em toda parte,
note-se; não só entre os judeus, mas também entre os gentios. O Cristianismo
genuíno nunca foi popular e nunca será. Ele corta profundamente contra a fibra da
natureza humana.
Ainda assim, professavam o
desejo de ouvir o que Paulo tinha a dizer; e assim um dia foi combinado, muitos
vieram, e por um dia inteiro ele foi capaz de expor e testificar e persuadir.
Seu tema era o reino de Deus e Jesus, como aqu’Ele em Quem esse reino é
centrado e estabelecido; e tudo o que ele tinha a dizer baseava-se na lei de
Moisés e dos profetas, pois todos haviam sido tipificados e preditos. Os três verbos
são dignos de nota. Primeiro ele expôs
as Sagradas Escrituras, mostrando o que elas tinham a dizer e esclarecendo sua
força. Então ele testificou de Jesus,
relacionando sem dúvida o que ele conhecia pessoalmente de Sua glória no céu, e
mostrando exatamente como Ele havia cumprido tudo o que as Escrituras haviam
dito a respeito de Seu advento em humilhação. Por fim, ele se propôs a convencer seus ouvintes da verdade de
tudo o que ele expôs. Paulo não pregou o que foi chamado de evangelho “pegar ou
largar”, mas trabalhou com zelo amoroso para alcançar os corações daqueles que
ouviram, e garantir deles uma resposta em fé. Vejamos que o imitamos nisto,
pois temos que lembrar de que, embora nada menos do que a ação do Espírito
Santo nos corações dos homens seja eficaz, o Espírito frequentemente Se agrada
em trabalhar por meio da capacidade de persuasão dos servos de Deus, que estão
cheios de amor e zelo.
Foi assim neste caso. O
registro aqui é que, enquanto alguns permaneceram na incredulidade, “alguns criam no que se dizia”. Quando
a Palavra é pregada, é quase sempre assim. Somente em Atos – quando Pedro
pregou a Cornélio – encontramos todos convertidos; mas isso não é o usual, pois
no momento presente Deus está chamando uma eleição tanto de judeus quanto de
gentios.
Para os judeus incrédulos,
antes de partirem, Paulo falou uma última palavra, citando a passagem de Isaías
6, que o próprio Senhor citou em Mateus 13, e João cita no capítulo 12 de seu evangelho.
Este triste e terrível processo de endurecimento e morte espiritual se instalou
mesmo nos dias de Isaías, cerca de sete séculos antes de Cristo. Foi muito mais
pronunciado quando Cristo estava na Terra; e agora o estágio final foi
alcançado. Paulo pronunciou estas palavras, percebendo que durante esta era do
evangelho, o dia de Israel como nação terminara. Nacionalmente, eles estão
cegos e sem entendimento das coisas de Deus, embora sejam muito perspicazes
quanto às coisas do mundo. Isso obviamente não entra em conflito com o fato de
que Deus ainda está chamando um remanescente de acordo com a eleição da graça,
como afirma Romanos 11.
É digno de nota que, citando
esta passagem, Paulo diz: “Bem falou o Espírito Santo”. Se nos voltarmos
para Isaías 6, encontramos o profeta dizendo a respeito desta mensagem: “ouvi a voz do Senhor”, referindo-se a Jeová dos Exércitos; e voltando-se para
João 12, encontramos o comentário: “Isaías
disse isto quando viu a Sua glória e
falou d’Ele”, e temos apenas que
olhar nos versículos precedentes para descobrir que a “Sua” e “d’Ele”
referem-se a Jesus. Quão simples é,
pois, que Jeová dos exércitos seja identificado tanto com Jesus como com o
Espírito Santo – três Pessoas, mas um só Deus.
O versículo 28 nos dá as
últimas palavras de Paulo, conforme registrado em Atos. Elas são muito
significativas, como nos dando o ponto para o qual o livro nos conduziu. Ele
proclama como uma mensagem definitiva de Deus que Sua salvação é agora enviada
aos gentios como resultado da cegueira e dureza do judeu; e ele acrescenta: “e eles a ouvirão”. Isso não significa
que todos eles ouvirão, mas sim que, distintamente do judeu, um ouvido que ouve
será encontrado lá. Isso, graças a Deus, provou ser verdade ao longo dos
séculos.
Quando o Senhor falou à
mulher siro-fenícia sobre as crianças e os cães, a pobre mulher, enxergando o
ponto, tomou o lugar de ser apenas um cão gentio, e ainda alegou que Deus era
bom o suficiente para permitir que houvesse algumas migalhas de misericórdia para
ela. Ela estava certa: o Senhor a chamou de grande e honrou-a, concedendo-lhe o
seu desejo. Mas aqui encontramos algo mais maravilhoso ainda. Os filhos
desprezaram e rejeitaram as boas coisas fornecidas, não apenas as migalhas, mas
toda a refeição foi enviada aos cães. Como o próprio Paulo coloca em Romanos 11:
“a sua queda é a riqueza do mundo, e a
sua diminuição a riqueza dos gentios” e “a sua rejeição é a reconciliação do mundo”. Isso não significa que
todo o mundo será finalmente reconciliado, mas que Deus agora Se voltou em
favor para com o mundo, oferecendo a Sua salvação a todos os homens.
Paulo ainda era um
prisioneiro, mas ele foi autorizado a alugar uma casa e morar lá e receber
todos os que desejavam vê-lo. Assim, ele teve oportunidades de testemunho e a Palavra
de Deus não estava presa. No que diz respeito a este livro, vemos que ele passou
dois anos inteiros pregando o reino de Deus e ensinando as coisas concernentes
ao Senhor Jesus Cristo, sem qualquer impedimento. Seu julgamento foi adiado pela
providência de Deus, e uma porta de pregação foi assim aberta para ele. Durante
esse tempo Onésimo foi convertido e, sem dúvida, outros também; algumas de suas
Epístolas também foram escritas.
Encerrando os Atos,
terminamos a história apostólica:
passando para Romanos, começamos a doutrina
apostólica. É a doutrina que nos permite entender o significado da história; enquanto a história nos permite apreciar a
autoridade e o peso da doutrina.
ATOS 27
ATOS
27
Enquanto em Éfeso Paulo “propôs, em espírito ... ver também Roma” (At 19:21), e, o que é
mais importante ainda, era o propósito do Senhor para ele – “assim importa que testifiques também em
Roma” (At 23:11). Acabamos de traçar os caminhos de Deus nos bastidores,
levando-se em conta que “se determinou
que (nós) havíamos de navegar para a Itália”. Mais uma vez, Lucas usa “nós”, mostrando que agora era
novamente um companheiro de Paulo assim que eles começaram nesta jornada, que
seria tão cheia de desastres, e ainda assim teria um fim tão milagroso.
Olhando para as causas
secundárias, Paulo poderia ter se arrependido amargamente de seu apelo a César,
quando Agripa declarou que ele poderia ter sido colocado em liberdade. Olhando
para Deus, tudo estava claro, e Paulo com outros prisioneiros começou a viagem.
No entanto, embora a jornada fosse assim ordenada por Deus, não se seguiu que
tudo se movesse com facilidade e suavidade, mas completamente o oposto; pois é
registrado desde o início que “os ventos
eram contrários” (v. 4). O fato de que as circunstâncias são contra nós não
é prova de que estamos fora do caminho da vontade de Deus, nem circunstâncias favoráveis
necessariamente signifiquem que estamos no caminho de Sua vontade. Não podemos
deduzir com segurança das circunstâncias o que pode ou não ser a Sua vontade
para nós.
As circunstâncias continuaram
contrárias e o progresso foi entediante, “não
nos permitindo o vento ir mais adiante” (v. 7), e a época perigosa do ano
chegou quando era costume suspender as viagens em algum porto seguro. O lugar
chamado “Bons Portos” foi alcançado,
que apesar de seu nome não era um local adequado, e aqui um conflito de opinião
se desenvolveu. O capitão estava desejoso de chegar a Fenícia, enquanto Paulo avisava
que eles estavam prestes a cair em desastre e perda, não só para o navio e
carga, mas também para suas vidas. O centurião romano, encarregado do grupo de
prisioneiros, realizou o voto de desempate e, tendo escutado a voz da sabedoria
mundana e da habilidade náutica, por um lado, e o entendimento espiritual, por
outro, decidiu em favor do conselho do capitão.
Qualquer pessoa comum, sem
dúvida, teria decidido como o centurião e quando de repente o vento se desviou
e soprou gentilmente do sul, parecia que Deus estava favorecendo a decisão do
centurião. Mas, novamente, vemos que as circunstâncias não fornecem orientação
verdadeira; pois partiram apenas para serem apanhados pelo temido Euro-aquilão,
o que perturbou todos os seus planos. Eles procederam por vista e não por fé, e
tudo terminou em desastre. Eles tomaram todas as medidas possíveis para operar
a sua própria salvação, mas sem resultado, de modo que, finalmente, toda a
esperança foi abandonada. É fácil ver que tudo isso pode ser efetivamente usado
como uma espécie de alegoria; representando as lutas da alma por libertação,
seja da culpa ou do poder do pecado. Nada estava certo até que Deus interveio,
primeiro pela Sua Palavra por meio de
Paulo, e então pelo Seu poder no
naufrágio final.
Foi quando eles estavam quase
morrendo de fome e sem esperança que o anjo de Deus apareceu a Paulo. Quase uma
quinzena havia se passado desde o início da tempestade e, até esse ponto, Paulo
não tivera nada de autoridade para dizer. Mas agora a Palavra de Deus havia
chegado a ele, afirmando que ele deve comparecer diante de César, e que ele e
todos os que navegam com ele devem ser salvos. Deus, tendo falado, Paulo podia
falar com autoridade e máxima certeza. Depois de quinze dias jogados de um lado
para o outro em mares bravios, a sensação de todos deve ter sido deplorável e
deprimente. Mas o que tinham os sentimentos a ver com o assunto? Deus havia falado, e a atitude de Paulo
era: “creio em Deus”, apesar de
todos os sentimentos do mundo.
Todas as probabilidades da
situação também teriam rejeitado o que o anjo dissera. Que um pequeno veleiro,
repleto de 276 pessoas, deveria ser naufragado e destruído, em dias em que não
havia botes salva-vidas, e mesmo assim cada um dos 276 ser salvo era tão
altamente improvável a ponto de ser declarado impossível. Mas Deus havia dito
isso, então Paulo riu da impossibilidade e disse: “há de acontecer”. Além disso, sua fé era tão forte que ele não
apenas disse isso em seu coração, mas também disse em alta voz o testemunho para
as outras 275 pessoas a bordo. Suas palavras exatas foram: “há de acontecer assim como a mim me foi dito”. A salvação de todos
ainda não havia acontecido, mas ele estava tão certo disso como se tivesse
acontecido.
Fé foi simplesmente definida
como “crer no que Deus diz, porque Deus diz isso”, e isso é bem apoiado pelas
palavras de Paulo: “creio em Deus”.
Neste caso, sentimentos, razão, experiência, as probabilidades
da situação, tudo teria contradito a declaração divina, mas a fé aceitou o que
Deus disse, embora tudo o tenha negado. Fé em nossos corações falará da mesma
maneira. O testemunho divino para nós lida com assuntos muito maiores do que a
salvação temporal apenas, e não nos chega da boca de um anjo, mas por meio dos
Escritos Sagrados e inspirados, os quais agora temos impressos em nossa própria
língua; mas a nossa recepção é para ser igualmente definida. Nós simplesmente
cremos em Deus e, assim, estabelecemos nosso selo de que Deus é verdadeiro.
Os versículos 34-36 nos
mostram que a atitude e as ações de Paulo corroboravam suas bravas palavras de
fé. Assim, vemos ele exemplificando o que Tiago enfatiza em sua epístola: fé,
se estiver viva, deve se expressar em obras. Se, tendo proferido palavras de
fé, ele permanecesse deprimido e abatido como os demais, ninguém prestaria
muita atenção às suas palavras. Mas ao invés disso, tendo anunciado palavras de
bom ânimo, ele próprio evidentemente tinha bom ânimo. Ele deu graças a Deus,
tomou comida e exortou os outros a fazer o mesmo. Suas obras, assim, atestando
a realidade de sua fé, todos ficaram impressionados com isso. Eles também
estavam de bom ânimo e tomaram comida. Até agora as circunstâncias não foram
alteradas, mas foram alteradas como a confiança da fé encontrou um lugar em
seus corações, pois forneceu-lhes “o
firme fundamento [a
concretização – JND] das coisas que
se esperam e a prova [convicção
– JND] das coisas que se não veem” (Hb 11:1). Todo o episódio é uma excelente ilustração do que é fé
e como ela funciona.
Também ilustra como a fé é
vindicada. Deus foi tão bom quanto a Sua Palavra, e toda alma foi salva. Sua
promessa foi cumprida literal e exatamente, e não aproximadamente e com
precisão tolerável, como é tão comum entre os homens. Podemos aceitá-Lo em Sua
Palavra com absoluta certeza. No entanto, isso não significa que podemos nos
tornar fatalistas e ignorar as medidas ordinárias de prudência. Isso também é
ilustrado em nossa história. Depois que Paulo anunciou que todos deveriam ser
salvos, ele não permitiu que os marinheiros fugissem do navio, uma vez que sua
presença era necessária; e, mais tarde, quando todos haviam comido o
suficiente, aliviaram ainda mais o navio lançando o trigo no mar. Eles não
dobraram os braços e não fizeram nada como o fatalismo teria decretado, mas
tomaram as medidas ordinárias de prudência, confiando na Palavra de Deus. O
final foi realmente milagroso. De um jeito ou de outro, todos foram salvos.
ATOS 26
ATOS
26
Nesta ocasião não houve
nenhum processo preliminar tedioso. Agripa imediatamente deu permissão a Paulo
para falar por si mesmo. Assim libertado, ele foi capaz de dispensar todos os
meros detalhes em defesa própria, e foi direto à mensagem a qual Deus havia
confiado a ele, depois de reconhecer o profundo conhecimento de Agripa, e
suplicar que fosse ouvido com paciência.
Começou afirmando que fora
educado na mais estrita forma de judaísmo entre os fariseus, e que o que agora
era acusado contra ele estava em conexão com a esperança que todo Israel
alimentara desde os dias em que Deus deu Sua promessa. Essa esperança que eles
ainda mantinham, mas Paulo sustentava que havia um cumprimento disso em Cristo,
e particularmente em Sua ressurreição. Assim, desde o início de seu discurso,
ele manteve a ressurreição bem em primeiro plano, como sendo o ponto principal da
questão. No entanto, a ressurreição estava além dos pensamentos dos homens,
fossem judeus ou pagãos; daí a sua pergunta: “Pois quê? julga-se coisa incrível entre vós que Deus ressuscite os
mortos?” Seria absolutamente incrível
se apenas homens estivessem em questão: Deus sendo introduzido – o real,
verdadeiro e vivo Deus – seria incrível se
assim não fosse.
Neste terceiro relato de sua
conversão encontramos o apóstolo enfatizando grandemente a determinada e
furiosa oposição a Cristo que o caracterizou no princípio. Ele era de fato “blasfemo, e perseguidor, e opressor [um homem prepotente e insolente – JND]”, como disse a Timóteo: ele se
conduziu a ponto de estar “enfurecido
demasiadamente” contra os discípulos e persegui-los até mesmo em cidades
distantes. Foi assim que ele fez muitas coisas “contra o nome de Jesus Nazareno”. Foi ao meio dia, quando o Sol
brilhava mais forte, que outra luz mais brilhante que o Sol o envolveu na
estrada para Damasco, e a voz do Senhor foi ouvida. A luz incriada lançou a luz
criada na sombra.
Várias características
interessantes, não mencionadas nos relatos anteriores, aparecem aqui. A luz do
céu lançou toda a companhia ao pó, e não apenas Paulo. Além disso, a voz estava
em língua hebraica. Isso é notável, pois nos disseram anteriormente que, embora
seus companheiros ouvissem a voz, nada lhes transmitia. Foi na sua própria
língua, mas eles não entenderam. Eles foram afetados fisicamente, mas somente Paulo foi afetado espiritualmente. O elemento essencial na conversão não são grandes
visões, nem sons maravilhosos, mas a obra vivificante do Espírito Santo. Jesus
foi manifestado apenas a Paulo, e de tal maneira que ele descobriu que Ele era
seu Senhor.
Quando ele reconheceu Jesus
ser seu Senhor, foi-lhe dito claramente o que ele deveria fazer em relação à
sua salvação pessoal. Isso aprendemos dos relatos anteriores. Aqui só nos é
dito que, ao mesmo tempo, o Senhor disse-lhe com igual clareza, que Ele estava
apreendendo-o para torná-lo o servo de Sua vontade de uma maneira muito
especial. Ele deveria ser uma testemunha para os outros daquilo que acabara de
ser revelado a ele, e de outras coisas que ainda seriam reveladas a ele pelo
Senhor. Apenas aqui aprendemos sobre o modo como o Senhor o comissionou desde o
início e quais eram os termos dessa comissão. Eles são muito impressionantes, e
eles explicam completamente a notável carreira que temos traçado nos capítulos
anteriores.
O propósito do Senhor era que
ele fosse “livrado” ou “tirado”
(JND) de entre o povo e dos gentios; isto é, ele deveria ser separado tanto de
seu próprio povo, dos judeus e dos gentios, de modo a ficar em um lugar
distinto de ambos. Muitas vezes tem sido dito que as palavras do Senhor: “Eu sou Jesus, a Quem tu persegues”,
foram a primeira indicação de que os santos eram Seu corpo: talvez possamos
dizer que as palavras que estamos considerando agora sejam a primeira indicação
do lugar distinto que a Igreja ocupa, chamada para fora dos judeus e dos gentios.
Paulo começou por ser colocado no lugar em que foram trazidos todos aqueles que
creram no evangelho que ele foi comissionado para pregar.
Mas, como diz o final do
versículo 17, ele foi especialmente enviado aos gentios. Como já notamos antes,
ele foi abençoado por muitos judeus, enquanto seguiu sua comissão no mundo
gentio; foi só quando ele se virou para o lado para se dirigir especialmente
aos seus irmãos judeus, que ele falhou em alcançá-los. Quão plenamente nos
adverte que nosso Mestre deve ser supremo e que nossa sabedoria é cumprir o Seu
plano para nossas vidas e serviço. Aos gentios ele deveria ir, para “lhes abrires os olhos”.
Este foi um novo começo nos
caminhos de Deus, pois até agora os gentios haviam sido deixados seguir seu
próprio caminho. Estavam em trevas e na ignorância, mas agora seus olhos
deveriam ser abertos.
Se, por meio dos trabalhos de
Paulo, seus olhos estivessem efetivamente abertos, eles se afastariam das
trevas e do poder de Satanás para a luz e para Deus. Isto é o que entendemos
por conversão. Deve, é claro, envolver a convicção do pecado, pois nenhum de
nós pode entrar na luz de Deus sem que essa convicção seja formada em nós. Mas
então, como resultado da mudança, há a recepção do perdão. Existe o divino ato
de perdão em que podemos nos regozijar, e não apenas isso, mas também entramos
em uma herança que compartilhamos em comum com todos aqueles que estão separados
para Deus. Perdão é o que podemos chamar de bênção negativa do evangelho e a herança é a positiva. O perdão é uma perda e não um ganho – a perda de nossos
pecados; do amor a eles, bem como da pena a qual eles implicam. A herança é o
que ganhamos.
E tudo isso é “pela fé em Mim”. Aqui temos o caminho
pelo qual a bênção é alcançada. Não por obras, mas por fé; e dessa fé, Cristo é
o Objeto. A virtude não está na fé, mas no Objeto em Quem a fé repousa. Assim,
desde o momento de sua conversão, o futuro curso e ministério de Paulo foi assinalado
para ele e, por revelação do Senhor, foi-lhe dada a mensagem que ele deveria
pregar. Temos, então, no versículo 18, um resumo completo das bênçãos que o evangelho
traz para aquele que o recebe em fé. Os olhos de seu coração e mente estão
abertos para a verdade; ele é trazido das trevas para a luz e do poder de
Satanás para Deus; seus pecados são perdoados e ele sabe disso; ele compartilha
da herança comum com aqueles que também são separados para Deus.
Tendo recebido estas
instruções, Paulo tinha sido fiel à sua comissão, e começando onde estava e
alargando-se para as nações, ele mostrou aos homens em todos os lugares qual
deveria ser a sua resposta ao evangelho. Eles deveriam se arrepender; eles
deveriam se voltar para Deus; eles devem fazer obras de acordo com o
arrependimento que professam. O arrependimento envolve a vinda para a luz que
capacita a pessoa a ver e julgar a própria pecaminosidade, e então a confissão
dela diante de Deus. Ora, quanto mais vemos nosso próprio pecado, mais
desconfiamos de nós mesmos; quanto mais desconfiamos de nós mesmos, mais
aprendemos a confiar em Deus: consequentemente, converter-se para Deus é
seguido por uma negação de nós mesmos. Tudo isso é um processo interior de
mente e coração de natureza mais ou menos secreta, mas, se for real, logo
produz ações e trabalha em sintonia com a conversão. Se não houver “obras dignas de arrependimento”,
podemos ter certeza de que o arrependimento declarado não é algo genuíno. Paulo
insistiu em todas as três coisas, e ele sabia, é claro, que não são apenas o
caminho designado por Deus, no qual as bênçãos do evangelho são recebidas, mas
elas mesmas são produzidas pelo evangelho, onde ele é recebido em fé.
Ora, era exatamente isso que
tanto instigava a animosidade dos judeus, pois se esse era o meio de entrar no
favor de Deus, estava tão aberto aos gentios quanto aos judeus. Mas ele deixou
muito claro a Agripa que o que havia sido predito por Moisés e pelos profetas
era a base de tudo o que ele havia pregado. Ele anunciou o sofrimento de
Cristo; Sua ressurreição; e que, como Ressuscitado, Ele deveria trazer a luz de
Deus a toda a humanidade – não apenas judeus, mas gentios também. Quão
claramente este último ponto é declarado em Isaías 49, assim como a morte e
ressurreição de Cristo são preditas em Isaías 53.
No versículo 23, então, temos
um claro testemunho prestado a Agripa, Festo e a todos os outros presentes,
quanto à gloriosa base sobre a qual de
fato repousa o evangelho. Na verdade, podemos dizer que primariamente a
pregação do evangelho é a declaração desses fatos, e precisamos mantê-los na
linha de frente de nossa pregação hoje tanto quanto nos dias de Paulo. Então,
como vimos, o versículo 18 nos dá as
bênçãos que o evangelho confere; e no versículo 20, o modo pelo qual as bênçãos do evangelho são recebidas.
Para a mente pagã dos
romanos, a ideia de ressurreição era simplesmente inadmissível, como Paulo
havia antecipado na abertura de seu discurso, de modo que a menção de Cristo
ressuscitado dos mortos levou Festo a uma alta exclamação. Quantas vezes por
meio dos séculos o Cristão foi acusado de loucura! Aqui está a primeira
ocorrência registrada da provocação que está sendo lançada pelo homem do mundo.
No entanto, não foi um abuso vulgar, pois Festo era um romano polido. Ele pelo
menos atribuiu a “loucura” de Paulo
a um excesso de estudo e aprendizado. Mesmo assim ele pensou que Paulo estava louco!
A defesa de Paulo estava se
movendo em sua dignificada simplicidade. Ele dirigiu-se a Festo de uma maneira
que se convinha à sua alta posição, e então afirmou que, ao contrário, o que
ele dissera eram “palavras de verdade e de
perfeito juízo” (TB). Para Festo, era tudo um romance de uma mente
intoxicada, pois os deuses que ele venerava não exerciam nenhum poder além do
túmulo. O homem fraco pode matar e derrubar até o túmulo – isso é uma coisa
fácil: somente do Deus vivo se pode dizer: “O
Senhor é o que tira a vida e a dá:
faz descer à sepultura e faz tornar a
subir dela” (1 Sm 2:6). Almejemos todos assim declarar o evangelho de
forma que nossos ouvintes possam reconhecer que estamos falando da sóbria verdade.
Tendo respondido a Festo,
Paulo lançou um apelo a Agripa, sabendo que ele professava crer nas Escrituras
proféticas, portanto, saberia que o que ele pregava foi de fato predito ali. O
apelo evidentemente atingiu sua consciência. A resposta de Agripa, tememos, não era uma confissão de que ele
estava quase convencido da verdade do evangelho, mas sim de uma tentativa
semi-jocosa de se livrar do efeito do apelo. Ele disse de fato: “Dentro em pouco você estará
fazendo de mim um Cristão!” De suas palavras, é
evidente que o termo “Cristão”, cunhado pela primeira vez em Antioquia, tinha agora
obtido ampla circulação. Por ele os discípulos foram descritos com muita
precisão. Na réplica de Paulo há uma dignidade moral que não é facilmente
superada. Um pobre prisioneiro está em meio a grande pompa e magnificência e
deseja a seus augustos juízes que eles sejam exatamente como ele é, exceto por
suas cadeias! Enquanto os anjos olhavam abaixo para aquela visão, viram um
herdeiro de eterna e superior glória em pé diante dos cacos de barro, vestidos
por um breve momento em uma demonstração de mau gosto. Paulo sabia disso, e que
não havia nada melhor para qualquer homem do que ser tal qual ele era.
Isso encerrou a sessão. Paulo
teve a última palavra; e nos regozijamos ao notar como ele, cheio do Espírito
Santo, está de pé no auge do grande chamamento que o tinha alcançado – o chamamento
que nos alcançou também.
Mais uma vez também sua
inocência é declarada pela autoridade competente. Se ele não tivesse apelado
para César, ele poderia ter sido libertado.
ATOS 25
ATOS
25
Tendo Festo chegado ele subiu
a Jerusalém depois de três dias, e tal foi a animosidade contra Paulo que
imediatamente o sumo sacerdote e outros líderes o acusaram, e pediram a Festo
que fosse trazido a Jerusalém. Embora anos tivessem passado, eles ainda
cumpririam seu voto e fariam sua vingança. Tal é o rancor religioso! Festo, no
entanto, recusou isso, então mais uma vez seus acusadores tiveram que viajar
para Cesareia. Essa segunda audiência foi praticamente uma repetição da
primeira, como é mostrado nos versículos 7 e 8. Paulo tinha apenas que rebater
um grande número de afirmações não provadas. Ora Festo, como mostra o próximo
capítulo, não tinha nenhum conhecimento íntimo das coisas judaicas; Ainda
assim, sabendo que era um povo difícil de lidar, desejou obter seu favor e
assim sugeriu que, depois de tudo, Paulo poderia ir a Jerusalém para seu julgamento
final.
Nesta súbita mudança da parte
de Festo podemos ver a mão de Deus. Durante a noite que se seguiu ao alvoroço
no concílio, o Senhor apareceu a Paulo e disse-lhe que ele deveria dar
testemunho d’Ele em Roma, e agora Ele controla as circunstâncias para que isso
aconteça. A sugestão de Festo levou Paulo a apelar a César, um privilégio que
lhe pertencia como cidadão romano. Paulo sabia que a mudança de lugar proposta
era o prelúdio de ser entregue a seus inimigos, embora Festo soubesse muito bem
que não fizera nada errado. Se Festo começou a ceder ao clamor a fim de aplacar
os judeus, ele acabaria cedendo tudo. O apelo de Paulo resolveu tudo. Tendo
apelado para César, para Roma ele deve ir. Esta é a terceira ocasião em que
encontramos Paulo tomando sua posição sobre sua cidadania romana, e aqui,
evidentemente, foi feito para servir e executar o propósito de seu Senhor.
A vinda de Agripa e Berenice
para saudar Festo tornou-se a ocasião para Paulo dar um terceiro testemunho
perante governadores e reis, e agora temos uma visão muito mais completa do
modo poderoso em que ele apresentou a verdade. Ele não falhou anteriormente em
transmitir até mesmo a Festo aquilo que estava no coração de toda a questão,
pois ao falar com Agripa de seu caso, Festo declarou a controvérsia ao redor de
“um tal Jesus, morto, que Paulo afirmava
viver”. Isso mostra que, apesar de pagão como era e sem real entendimento,
ele havia alcançado o fato central do evangelho. A morte e ressurreição de
Cristo estão na base de todas as bênçãos e da declaração completa do amor de
Deus. Nós sabemos algo disso, enquanto ele não sabe nada disso. Ainda assim,
Paulo tinha tornado isso claro.
Que tudo isso era um mistério
para Festo, apesar de ter corretamente percebido o ponto da questão, fica
evidente de seu discurso a Agripa, quando o tribunal se reuniu, Paulo foi
trazido e o processo começou. Ele não tinha nada certo para escrever ao seu
senhor, o imperador em Roma e esperava que Agripa, com seu conhecimento
superior da religião judaica, pudesse ajudá-lo a entender mais claramente o que
estava em jogo e saber o que dizer.
ATOS 24
ATOS 24
A carta escrita por Cláudio
Lísias é um documento bastante típico, no qual ele apresentou suas próprias
ações sob a luz mais favorável; mas, por outro lado, exonerava inteiramente a
Paulo qualquer coisa realmente má ou digna de morte. As únicas acusações contra
ele eram sobre “questões da lei deles”
(TB). Assim fica claro que o primeiro oficial romano em cujas mãos ele caiu,
rapidamente se convenceu de que as acusações contra ele eram quanto à sua fé, e
não havia culpa nele quanto a questões de conduta. Deus, evidentemente, cuidou
para que isso se tornasse abundantemente claro.
Assim foi ordenado que o
propósito dos quarenta homens fracassasse, apesar de seu voto e maldição. Paulo
estava em segurança nas fortes mãos de Roma, e no devido tempo seria capaz de
expor seu caso em uma atmosfera mais calma, e levar o Nome de seu Mestre diante
de “os gentios e reis”, bem como os
filhos de Israel, como havia sido predito por Ananias. Antes de tudo ele teve
que comparecer perante Felix, o governador.
A acusação de Paulo diante do
governador carrega todas as marcas de amargo ânimo e preconceito. O fato de que
não só os anciãos, mas até mesmo Ananias, o sumo sacerdote, achasse necessário
descer para se apresentar contra ele, mostra a importância que deram ao seu
caso. Então eles empregaram um advogado que, a julgar pelo seu nome, era um
romano e não um judeu. Tértulo, eles sem dúvida achavam, saberiam melhor do que
eles o que atrairia a mente romana, e assim teriam mais chances de garantir uma
acusação. Tértulo sabia e começou com
exagerada bajulação, pois o relato dado sobre a administração de Félix na
história secular está em plena oposição ao que ele afirmou. A isso seguiu-se uma
acusação quádrupla contra Paulo. Todas as quatro acusações eram vagas,
particularmente a primeira, que ele era uma peste, e a segunda que ele era um promotor
de sedições. Acusações vagas eram preferidas, pois ele sabia que elas não
poderiam ser facilmente desmentidas como normalmente acusações claramente
definidas podem ser.
A terceira e quarta acusações
foram um pouco mais definidas. A quarta, quanto a profanar o templo, era falsa,
como mostrava o capítulo anterior: a terceira era a única com alguma aparência
de verdade. Ele provou ser um líder entre os Cristãos, que eram conhecidos
pelos judeus como a seita dos nazarenos. Eles eram de fato seguidores do desprezado
Nazareno, mas eram enfaticamente não apenas uma nova seita entre os judeus. O
livro de Atos foi escrito para nos mostrar que eles não eram isso, mas sim algo
inteiramente novo. O mundo nunca entende qualquer obra genuína de Deus.
Tértulo teve o cuidado de
apresentar a ação de Lísias sob uma luz desfavorável, já que ele havia
reprimido a violência dos judeus; e os judeus apoiaram as afirmações de seu
advogado. Os judeus forneceram o ânimo e usaram o gentio como sua ferramenta,
como fizeram no caso do Senhor.
A resposta de Paulo foi em
todos os aspectos um contraste com a oratória de Tértulo. Ele reconheceu que
Felix teve muitos anos de experiência como juiz entre os judeus, mas se absteve
de lisonja. Ele evitou asserções vagas, negando explicitamente quaisquer
disputas e sedições, e salientando que apenas doze dias haviam se passado desde
o momento em que ele pusera os pés em Jerusalém. Ele mostrou que, embora
tivessem feito muitas acusações, não haviam fornecido provas e não podiam
fazê-lo. Então, fazendo uma confissão simples e clara do que o caracterizara, e
o que realmente estava no fundo da hostilidade deles, lançou em destaque aquilo
que estava no fundamento do evangelho que ele pregava. Eles chamavam isso de
heresia, mas era o próprio fundamento da verdade.
Desta forma, com habilidade,
Paulo anunciou sua crença em tudo o que havia sido escrito no Velho Testamento,
e mostrou que todas as esperanças Cristãs são baseadas na ressurreição, a qual,
é claro, foi confirmada em Cristo. E é igualmente certo que haverá uma
ressurreição para os injustos. Isso foi, evidentemente, um tiro dirigido à
consciência de Felix, bem como a todos os outros presentes. Ninguém permanecerá
enterrado na sepultura para escapar da mão poderosa de Deus em julgamento.
Tendo proclamado sua fé nas
Escrituras e na ressurreição, Paulo prosseguiu afirmando que sua conduta estava
de acordo com o que ele cria. Sua consciência era clara, e ele só tinha vindo a
Jerusalém em uma missão de misericórdia, e quando no templo, seu comportamento
tinha sido perfeitamente ordenado e correto. Foram os judeus da Ásia que
provocaram o tumulto, não ele; e agora que havia oportunidade para que eles
apresentassem suas acusações contra ele de uma maneira ordenada, eles não
estavam lá para fazê-lo.
Mas havia judeus presentes
que o haviam visto comparecer diante do conselho, e ele sabia que eles não
encontravam nenhuma falha nele, a não ser que declarava sua crença na
ressurreição. Paulo não tinha dúvida de que era a facção dos saduceus que o
perseguia tão implacavelmente e que comparecia contra ele, e ele teve o cuidado
de deixar bem claro para Felix que sua crença na ressurreição dos mortos, como
se verificou na ressurreição de Cristo, foi o verdadeiro ponto da questão. Pode
ser também que Paulo quisesse reconhecer que a maneira pela qual ele clamara no
conselho não tinha sido completamente livre de culpa.
Felix, como aprendemos no versículo
24, tinha uma esposa judia, e assim estava bem informado sobre as coisas, e
percebeu imediatamente que não havia nada de mal em Paulo. Ele suspendeu a
corte sob o pretexto de esperar por Lísias, o tribuno, então mais uma vez os
acusadores foram frustrados, especialmente porque o adiamento era “sine die”[1],
como nossos tribunais colocam. Entrementes, Paulo recebeu uma medida
extraordinária de liberdade, na qual novamente podemos ver a mão dominadora de
Deus.
Não há registro de Lísias
descendo, mas nos é dito como Félix, com Drusila sua esposa, chamaram por Paulo
e lhe deram uma audiência privada, enquanto ele testificou da fé em Cristo.
Esta foi uma grande oportunidade, e Paulo, evidentemente, conhecia o caráter
fraco e corrupto do governador, e assim enfatizou a justiça, temperança e
julgamento vindouro. Podemos tomar a justiça
como resumo da mensagem do evangelho, como Romanos 1:16-17, mostra tão claramente.
A temperança ou controle próprio é o
resultado do evangelho na vida de quem o recebe; e o julgamento vindouro é o que aguarda aqueles que o rejeitam. Assim,
embora o resumo dado do discurso de Paulo seja extremamente breve, podemos ver
que as três palavras abrangem os fatos salientes do evangelho.
Havia grande poder com a
mensagem e Félix tremia, mas ele adiou a questão para aquela “ocasião favorável” (AIBB), que tantas
vezes nunca chega. Foi assim neste caso. Dois anos se passaram antes que Felix
fosse substituído por Festo, e durante esse período houve várias entrevistas,
nada aconteceu, e Felix deixou Paulo preso no esforço de alcançar favor os
judeus. O verdadeiro cancro no coração de Felix era o amor ao dinheiro. Seu
caso ilustra de forma impressionante como pode haver uma obra poderosa do
Espírito por meio do evangelho de forma exterior no homem, mas como qualquer
trabalho no coração e a consciência interior podem ser sufocados por alguma concupiscência
ativa, como o amor ao dinheiro. A verdadeira conversão ocorre quando a obra exterior do Espírito é complementada e correspondida
pela obra interior do Espírito.
[1] N. do
T.: Sem fixar uma data futura.
ATOS 23
ATOS
23
À medida que abrimos este
capítulo, encontramos Paulo em pé diante deste augusto corpo, e poderíamos ter
esperado que ele desse o mais impressionante e convincente discurso de sua
vida. Em resultado, no entanto, houve um mínimo de testemunho e um máximo de
confusão. O comentário inicial de Paulo ficou amargamente ressentido, embora
possamos ver que era verdade. Uma consciência “boa” é adquirida e mantida à medida que realizamos com sinceridade
e rigidez tudo o que a consciência nos orienta. O fanático com consciência pervertida
ou não iluminada faz as coisas mais escandalosas a fim de preservar sua “boa”
consciência. Assim Paulo tinha agido em seus dias não convertidos, e desde sua
conversão ele tinha com sinceridade observado as advertências de sua
consciência, agora iluminada e retificada. Quão claramente isso nos mostra que
a consciência em si mesma não é um
guia seguro: deve ser iluminada pela Palavra de Deus. Seu valor depende
inteiramente da medida em que é controlada pela Palavra.
Irritado com esta declaração
de abertura, o sumo sacerdote ordenou que Paulo fosse ferido na boca, violando
assim a lei que estipulava que um ofensor só deveria ser espancado depois de um
julgamento apropriado, e somente de maneira apropriada (Dt 25:1-3). Essa
injustiça manifesta levou Paulo a uma afiada réplica; muito apropriada, mas não
admissível como dirigida ao sumo sacerdote. Tendo o conselho sido convocado
desta maneira apressada e informal, provavelmente não havia nada em seu traje
para distingui-lo; contudo, quando o erro foi apontado, Paulo imediatamente
reconheceu sua culpa e citou a passagem que proibia o que ele havia feito. Ele
foi incapaz de perguntar com toda a certeza: “quem dentre vós Me convence de pecado?” como o seu Senhor tinha
feito.
Houve imediatamente um
movimento extremamente astuto da parte de Paulo. Ele se apresentou como
fariseu, e como sendo questionado sobre a esperança da ressurreição. Sem dúvida,
ele era fariseu por nascimento e formação inicial e, sem dúvida, a ressurreição
está no próprio fundamento do evangelho. Sua exclamação teve o efeito que ele previu.
Ele ajuntou os fariseus em seu auxílio, enquanto antagonizava violentamente aos
saduceus. Eles eram todos homens partidários, vendo tudo do ponto de vista do
partido. Assumindo que ele fosse do grupo deles, os fariseus penderam em seu
favor. A verdade e a justiça não valiam com eles, mas o partido contava. O
mesmo tipo de coisa é muito comum hoje em dia, e os Cristãos não estão imunes a
isso; então vamos aceitar o aviso que nos é transmitido aqui.
Por todo o livro de Atos, o partido
dos saduceus aparece como o principal opositor do evangelho. Por causa da sua
visão materialista, negavam a ressurreição. Aqui temos nosso último vislumbre
deles enquanto protestam furiosamente contra a súbita mudança de posição dos
fariseus, e usam um tal vigor físico que Paulo poderia ter sido feito em
pedaços. Sua violência derrotou seu propósito, pois forçou o tribuno a
intervir, e Paulo foi, pela segunda vez, resgatado das mãos de seu próprio
povo.
Quão lindo é o versículo 11!
Não nos é dito nada sobre os sentimentos de Paulo, mas da mensagem do Senhor
para ele de bom ânimo certamente se deduz que ele estava deprimido. Não podemos
deixar de pensar que todo esse episódio de Jerusalém havia caído abaixo do alto
padrão que caracterizara todo o seu serviço anterior; todavia ele certamente
testificou de seu Senhor. Seu gracioso Mestre fixou-se nesse fato, reconheceu-o
e disse-lhe que ainda estava por prestar testemunho em Roma – Jerusalém, o
centro religioso, Roma, o centro imperial e governamental da Terra daqueles
dias. Que conforto para o espírito de Paulo!
No dia seguinte, houve a
conspiração da parte de mais de quarenta homens para matar Paulo. A natureza da
maldição sob a qual eles se vinculam testemunha a ferocidade de seu ódio, de
modo que parece que eles eram do grupo dos saduceus que havia sido privado de
sua vítima no dia anterior. Os chefes dos sacerdotes também eram daquele
partido, e assim não havia nada contrário envolvido nesse negócio. Eles
deveriam fingir que queriam examiná-lo ainda mais, e os quarenta homens estavam
prontos para matá-lo.
Novamente encontramos a mão
de Deus frustrando suas artimanhas. A história – como sempre nas Escrituras – é
contada com brevidade e contenção. Descobrimos que Paulo tinha uma irmã e um
sobrinho em Jerusalém, mas como o jovem conseguiu informações sobre o plano que
não nos é dito. Deus viu, contudo, que chegou aos seus ouvidos, embora tenha
sido traçado apenas algumas horas antes, e também lhe deu coragem para
revelá-lo. Por ele ter tido acesso tão fácil ao tio, e que o pedido de Paulo
para que o sobrinho tivesse acesso ao tribuno encontrasse uma resposta tão
cortês, conseguimos traçar o predomínio de Deus; embora muito
provavelmente o comportamento ultrajante dos judeus tenha provocado uma reação
na mente do tribuno em favor de Paulo. Como resultado, ele não apenas escutou o
jovem, mas o aceitou sem hesitar, e imediatamente tomou medidas para frustrar a
conspiração.
O restante do capítulo nos dá
um vislumbre da eficiência que marcou o sistema militar romano. O tribuno agiu
com a maior prontidão em sua decisão de remeter Paulo ao governador civil em Cesareia.
Ele cuidou também de não correr riscos. Ele conhecia a fúria vingativa dos
judeus quando questões religiosas estavam em jogo; então ele não cometeu o erro
comum de subestimar o perigo. A força militar que tomou conta de Paulo deve ter
chegado a praticamente quinhentos homens, uma proporção de doze para um contra
possíveis assassinos. Toda consideração foi dada ao prisioneiro, até mesmo ao
ponto de fornecer animais para ele montar.
ATOS 22
ATOS
22
Em tudo o que aconteceu com
Paulo em Jerusalém, não é difícil discernir a mão de Deus controlando os
bastidores. Embora a cidade estivesse em alvoroço, ninguém deu um golpe fatal
até que houvesse tempo suficiente para o tribuno intervir. Então, o fato de
Paulo se dirigir a ele em grego criou a impressão favorável que levou à
permissão para se dirigir às multidões barulhentas das escadas da fortaleza.
Então a escolha de Paulo do hebraico para seu discurso levou a um completo
silêncio e atenção ao que ele tinha a dizer.
É bastante notável que
tenhamos três relatos completos da conversão de Cornélio nos Atos. Em Atos 10,
Lucas registra isso como um historiador; então em Atos 11, ele registra como
Pedro relatou isso. Em Atos 15, temos um breve terceiro relato de como Pedro se
referiu a ela no concílio de Jerusalém. Novamente, temos três relatos da
conversão de Paulo. Em Atos 9, Lucas registra isso como um historiador; em Atos
22, ele registra como o próprio Paulo a relatou ao seu próprio povo, e em Atos
26, como ele a relatou aos soberanos gentios. Ambas as conversões foram
marcantes e de grande importância. No primeiro caso, foi o chamamento
definitivo e formal dos gentios pelo evangelho às mesmas bênçãos que os judeus
e nos mesmos termos; no outro, era o chamado do arqui-perseguidor para ser o
principal instrumento para levar o evangelho ao mundo gentio.
Quando lemos o relato em Atos
22, não podemos deixar de ver a habilidade dada por Deus com a qual Paulo
falou. Ele começou afirmando o que tinha sido em seus primeiros dias, quando
seu modo de vida estava de acordo com os pensamentos deles. Ele era perfeito
quanto à sua linhagem, sua educação, seu zelo e seu ódio pelos Cristãos. Então
veio uma intervenção do céu que foi claramente um ato de Deus. Ora, toda
conversão verdadeira é o resultado de um ato de Deus, mas geralmente passa por
algum instrumento humano e o ato divino é reconhecido apenas pela fé. No caso
de Paulo, não havia instrumento humano, mas algo bastante sobrenatural, que
atrai tanto o olho quanto o ouvido – uma grande luz e uma voz de poder – de
modo a deixá-lo caído prostrado no chão. Ele conta a história de modo a
impressionar seus ouvintes com o fato de que a mudança nele, que tanto ofendia
a eles, havia sido feita por Deus.
A voz que o prendeu era a voz
de Jesus, e eis que descobrimos que a frase completa proferida do céu era: “Eu sou Jesus NAZARENO, a Quem tu persegues”.
Essa palavra não está inserida em Atos 9, nem aparece quando ele fala aos
gentios no capítulo 26, mas aqui falando aos judeus, ela estava cheia de
tremendo significado. Eles empregaram essa palavra em Seu nome como um insulto
e uma censura; e agora Jesus Nazareno
está no céu!
A partir disso, aceitemos o
aviso de não dividir os nomes e títulos de nosso Senhor de qualquer maneira insensível
e leviana; mesmo assim é muito útil discernir o significado de cada um.
Poderíamos ter esperado que Ele dissesse: “Eu sou aqu’Ele que era Jesus Nazareno nos dias da Minha
carne”; relegando assim esse nome à Sua jornada na Terra exclusivamente. Mas
Ele não disse: “Eu era”, Ele disse: “Eu
sou”. Ele não descartou Seus nomes, pois Ele é uno e indivisível.
Embora Paulo apresente sua
conversão como sendo um ato puro de Deus, ele relata como Ananias foi usado por
Deus para a restauração de sua visão, e para transmitir a ele o chamado para
ser uma testemunha, e para ser batizado: ele também enfatiza que Ananias era um
membro devoto e respeitado da comunidade judaica em Damasco. Note que Paulo
estava tanto para ver o Salvador glorificado como para ouvir a Sua voz; e do
que ele viu e ouviu, ele deveria dar testemunho. Daí o seu falar do evangelho
que ele pregou como sendo “o evangelho
da glória de o Cristo” (2 Co 4:4 – JND).
Note também como o batismo e
a lavagem dos pecados estão conectados aqui, assim como eles estão em Atos 2:38,
e como eles estavam no batismo de João. Ananias acrescentou: “invocando o nome do Senhor”, o que
mostra que ele apontou para o batismo Cristão e não para o de João. O batismo é
especialmente significativo no caso do judeu, que explica o lugar proeminente
que teve no dia de Pentecostes e no caso de Paulo. Estes rejeitadores de Cristo
devem curvar suas orgulhosas cabeças e descer simbolicamente para a morte,
reconhecendo Seu nome. Foi o sinal de sua submissão àqu’Ele a Quem eles haviam
recusado, e só assim seus pecados poderiam ser lavados.
Paulo então passou a relatar
o que aconteceu em sua primeira breve visita a Jerusalém, mencionada em Atos
9:26. Nenhuma menção é feita a essa visita em
Atos 9, nem em Gálatas 1; só lemos a respeito dela aqui. É notável que tanto os
apóstolos Pedro e Paulo tenham tido um arrebatamento de sentidos e visto uma
visão quanto ao seu serviço em relação aos gentios – Pedro, para que pudesse
romper o costume judaico e abrir o reino aos gentios; Paulo, para que aceitasse
a evangelização dos gentios como a obra de sua vida. Desta forma, foi
duplamente enfatizado que a entrada dos gentios era a vontade deliberada e
propósito de Deus.
Devido ao seu passado, Paulo
sentiu que estava eminentemente preparado para evangelizar sua própria nação, e
se aventurou a dizer isto ao Senhor, apenas para ser informado de que os judeus
não aceitariam o testemunho de seus lábios, e que ele seria enviado para longe
dali, para os gentios. Tudo isso ele disse ao povo, e quando se lê o registro,
sente-se o poder convincente de suas palavras. Será que ele achava que pelo
menos alguns de seu povo deveria
estar convencido? No entanto, ali permanecia aquela palavra do Senhor, dita há mais
de vinte anos: “Eles não receberão o teu testemunho acerca de Mim”; e isso foi
apoiado pela mensagem especial do Espírito Santo de que ele não deveria ir a
Jerusalém. Naquele momento, as palavras do Senhor foram comprovadas. Sua menção
dos gentios se tornando objetos da misericórdia divina despertou seus ouvintes
ao delírio extremo. Eles não receberiam suas palavras. Eles exigiram sua morte
com violência quase incontrolável. Quando Paulo perseguiu sua missão dada por
Deus aos gentios, recebeu o gozo de ser usado para alcançar “um resto segundo a eleição da graça” (Rm
11:5) de seu próprio povo; quando ele se virou para o lado, concentrando sua
atenção em seu próprio povo, suas palavras não produziram frutos de bênção.
A fúria irracional do povo,
juntamente com o uso da língua hebraica, evidentemente confundia o tribuno, e o
exame sob o açoite era a maneira reconhecida de extorquir provas naqueles dias.
A menção por Paulo de sua cidadania romana restringiu isso e, sob a mão de
Deus, tornou-se a ocasião do testemunho adicional de Paulo diante dos líderes
de sua nação. O Sinédrio foi convocado no dia seguinte pelas ordens do tribuno.
ATOS 21
ATOS
21
Quando começamos este
capítulo, vemos que Lucas ainda estava com Paulo e sua companhia, e traçamos
sua jornada até Jerusalém. Chegados a Tiro, eles evidentemente procuraram
discípulos, se houvesse algum, e encontraram alguns. Por meio desses homens não
identificados, o Espírito deu uma mensagem a Paulo, dizendo que ele não deveria
ir a Jerusalém. Para os efésios, ele havia falado de estar ligado em seu
próprio espírito para subir. Evidentemente, sua própria convicção interior era
tão forte que ele não aceitou a palavra por meio dos homens humildes de Tiro.
Parece ser um caso dele permitindo que convicções poderosas anulem a voz do
Espírito que o alcança de fora. Aí devemos deixá-lo, apenas observando que, se
assim for, podemos ver na história posterior como Deus prevaleceu sobre o erro
para o bem final, embora isso significasse muitos problemas para Paulo.
Deixando Tiro, houve outra
dessas belas reuniões de oração improvisadas, assim como, chegamos a Cesareia,
temos um vislumbre da hospitalidade Cristã daqueles dias. Filipe, o evangelista
de Atos 8, foi seu anfitrião. Suas filhas nos fornecem exemplos de mulheres que
têm dons proféticos, que exerceram indubitavelmente de acordo com as instruções
das Escrituras para o serviço das mulheres.
Naquela cidade, mais
testemunho foi prestado pelo profeta Ágabo sobre o que havia diante de Paulo em
Jerusalém. Mais uma vez vemos uma comovente demonstração de afeto por Paulo,
tanto por parte de seus companheiros como pelos santos em Cesareia: uma
demonstração também da prontidão de Paulo para dar a vida pelo nome do Senhor
Jesus. A propósito, vemos o caminho sábio quando existe uma diferença de
opinião que não pode ser removida. Todos temos que manter a nossa paz, desejando apenas que, no assunto, a vontade do Senhor, seja o que for,
possa ser feita.
Tendo chegado a Jerusalém,
Paulo relatou a Tiago e aos anciãos o que Deus havia operado por meio dele
entre os gentios. Eles glorificaram o Senhor nisto, pois estavam preparados
para reconhecê-los em Cristo, de acordo com o que havia sido decidido no
concílio, do qual lemos em Atos 15. Os gentios não deviam ser submetidos ao
jugo da lei. Mas se os judeus crentes deveriam observar seus antigos costumes
era outra questão. Os irmãos de Jerusalém pediram a Paulo que ele aproveitasse
a oportunidade de quatro homens que tinham um voto de se associar a eles,
especialmente porque se alegava contra ele que havia ensinado os judeus a
abandonar seus costumes. Eles sentiram que era conveniente que ele contradissesse
esses rumores dessa maneira.
Outra coisa que estava por
trás da sugestão era que agora havia milhares de judeus crendo em Cristo, mas
todos eles eram zelosos da lei. Deveríamos ter pensado que eles teriam sido
zelosos do evangelho e de suas esperanças celestes, mas evidentemente eles
ainda não haviam entendido o verdadeiro caráter daquilo a que haviam sido introduzidos.
Foi para esses Cristãos judeus como esses que a epístola aos Hebreus foi
escrita. Eles realmente se fizeram “negligentes
para ouvir”, e precisavam que alguém para lhes “ensinar quais sejam os primeiros rudimentos das palavras de Deus”,
precisando de “leite, e não de sólido
alimento”. Eles foram consequentemente exortados a “prosseguir até a perfeição” (Hb 5:11-6:2).
A ação recomendada a Paulo, e
que ele aceitou, dificilmente foi calculada para levá-los à perfeição. Foi um
ato de conveniência, feito para evitar problemas, e como tantas vezes acontece,
falhou completamente em seu objetivo. Isso levou Paulo ao templo, onde seus
adversários mais provavelmente seriam encontrados. Ele entrou no problema ao
invés de evitá-lo. A revolta contra ele foi fomentada pelos judeus da Ásia,
homens que sem dúvida haviam se envolvido no tumulto em Éfeso. Eles agiram sob
a suposição de que Paulo havia profanado o templo, introduzindo nele um gentio de
Éfeso. A suposição estava evidentemente errada. Ele não havia feito isso, mas o
gentio entrou por si mesmo, supondo que desse modo desarmasse o preconceito
deles, e essa suposição também se mostrou equivocada.
No entanto, a mão de Deus
superou tudo o que aconteceu. A profecia de Ágabo foi cumprida. Paulo perdeu sua
liberdade. No entanto, pela ação do tribuno romano, ele foi resgatado da
violência do povo. Os dias de seu livre trabalho evangelístico acabaram – salvo
talvez por um curto período de tempo pouco antes do fim. Agora começava o
período em que ele deveria dar testemunho poderoso à população de Jerusalém, a
ser seguido por testemunho perante governadores e reis, e mesmo diante do
próprio Nero. Deus sabe como fazer a ira do homem louvá-Lo e restringir o
restante da ira. Ele também sabe como prevalecer sobre quaisquer erros que Seus
servos possam cometer e, de fechar diante deles, certas linhas de serviço para
abrir outras, o que, em última análise, podem revelar-se de importância ainda
maior. Foi o aprisionamento de Paulo que levou-lhe à escrita aquelas epístolas
inspiradas que têm edificado a Igreja por dezenove séculos.
ATOS 20
ATOS
20
Em Atos, somos simplesmente
informados de que Paulo fez muita exortação aos santos na Macedônia, que
visitou a Grécia e que, para evitar os judeus perseguidores, ele retornou pela
Macedônia no caminho de volta à Ásia. O versículo 4 nos dá os nomes de seus
companheiros de viagem nesta jornada de volta, embora eles tenham ido em frente
pelo mar e esperado por ele em Trôade. No versículo 5, Lucas usa novamente o
pronome “nós”, o que mostra que
neste ponto ele novamente fez parte do grupo. Paulo, Lucas e outros tiveram uma
viagem de cinco dias, que os levaram novamente a Trôade, onde não muito antes “foi aberta uma porta no Senhor” (TB).
Os seguintes versículos do nosso capítulo mostram que um grande interesse pelas
coisas de Deus ainda era encontrado naquele lugar.
Paulo passou apenas uma
semana em Trôade, mas durante esse tempo ocorreu a reunião memorável registrada
nos versículos 7-12, e nos é fornecida uma imagem muito agradável da
simplicidade e zelo que caracterizavam aqueles dias. Havia se tornado o costume
dos discípulos de se encontrar para o partir do pão – a ceia do Senhor – no
primeiro dia da semana. Não o sábado, mas no dia seguinte, quando o Senhor
ressuscitou dos mortos, foi selecionado para isso, embora não fosse um dia de
lazer, como o dia anterior teria sido para aqueles que eram judeus. Daí os Cristãos
se reuniram à noite, quando o trabalho do dia havia terminado. Um cenáculo era
o lugar de encontro deles, sendo os “edifícios de igreja” desconhecidos por
eles. Paulo, com poucos dias à sua disposição, aproveitou a oportunidade para falar
a eles; e eles estavam tão cheios de interesse que ficaram a noite toda ouvindo
suas palavras.
É fácil imaginar a cena. O
cenáculo lotado; o jovem empoleirado na abertura da janela; as muitas luzes que
aumentavam a opressão quente do ar sonolento flutuando pela janela; a súbita
interrupção quando Êutico entra em colapso e cai. No entanto, o poder de Deus
era tão manifesto por meio de Paulo que, em vez deste episódio interromper a
reunião e distrair a todos da mensagem de Paulo, seus corações foram
confortados e confirmados, para se acalmarem e o ouvirem até ao amanhecer. O
apóstolo estava agora iniciando sua jornada final para Jerusalém; cuja razão pode ser colocada
em questão, mas não há dúvida de que o Espírito de Deus estava operando por
meio dele como antigamente. Nenhum milagre mais notável do que este foi feito por
meio de Paulo. A história é marcada pela ausência do que é cerimonial e
oficial, mas pulsa com poder. No Cristianismo popular hoje, o que é cerimonial está
no campo de ação e o poder está ausente. Que tal deveria ser!
Tendo chegado o dia, Paulo
deixou Trôade a pé; Lucas e seus outros companheiros indo por mar e encontrando-se
com Paulo em Assôs. Chegando a Mileto, ele chamou os anciãos da Igreja em Éfeso
para que ele lhes desse um encargo, sob a convicção de que ele não os veria
novamente. Seu comovente discurso parece cair naturalmente em três partes.
Na primeira parte ele revisa
seu próprio ministério entre eles; isso se estende dos versículos 18-27. Suas
primeiras palavras foram: “Vós bem
sabeis, desde o primeiro dia ...
como em todo esse tempo me portei no meio de vós”. Então, depois de falar da maneira de seu trabalho, ele
prossegue para a maneira que o
caracterizou. Nos dois modos e no assunto, podemos tomá-lo como modelo para nós
mesmos.
Em primeiro lugar, seu
trabalho era serviço. Ele não era um
grande dignitário eclesiástico, ocupando-se do rebanho de Deus, mas um servo;
servindo os santos de fato, ainda servindo principalmente ao Senhor ao servi-los,
e fazendo sempre desde os primeiros dias até os últimos. Servindo, além disso,
com humildade de mente, como tem sido
tão evidente nos capítulos anteriores. Ele não era um homem que esperava que
todos cedessem ou servissem a ele: ele era o ajudante de outros, trabalhando
com suas próprias mãos para que pudesse assim fazer o que fazia. Mais uma vez
foi com lágrimas, e no meio de muitas
tentações que vieram dos judeus. As
lágrimas falam de sentimento profundo e exercício do coração; enquanto as
tentações mostram que ele foi continuamente confrontado por dificuldades e
oposição.
Ele também foi marcado pela fidelidade na declaração da verdade e em
sua aplicação aos santos. Ele não cortejou essa popularidade barata que vem da
retenção de coisas que podem não ser palatáveis, mas sempre visava o benefício
deles. E, além disso, ele não se limitou à pregação pública, o que muitas vezes significa uma boa visualização e
aprovação, mas se entregou àquele trabalho de “casa em casa” (ARA), o
qual é muito menos notado, mas muitas vezes mais eficaz. Tudo isso mostra como
ele se portou enquanto estava entre eles. Mas há também aquilo de que ele fala
no versículo 24; sua total devoção ao
ministério confiado a ele e àqu’Ele de Quem ele o recebeu. Ele entregara sua
vida por esse propósito e, portanto, nenhuma antecipação de problemas ou mesmo
a própria morte iria afetá-lo. Quando um servo de Deus acrescenta à sua fidelidade
uma devoção que não vacila diante da morte, haverá, com certeza, poder em seu
ministério.
Então, quanto ao assunto que
caracterizou seu ministério, ele menciona três temas. Primeiro o evangelho, que
lhe havia sido confiado e que envolvia seu testemunho em todos os lugares e
para todos, “o arrependimento para com
Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo”. O evangelho anuncia “a graça de Deus”, que foi tornada
conhecida em Cristo, em Sua morte pelos nossos pecados, Sua ressurreição para a
nossa justificação; isso leva, por nosso lado, ao arrependimento e fé. Esse tem
sido consistentemente o tema de sua pregação.
Ele também havia pregado “o reino de Deus”, mas isso não foi
entre “todos”, mas “todos vós”. Isto é, ele pregou o reino em
todos os lugares entre os discípulos.
Isto evidentemente tem um peso
atual. Sem dúvida ele falou do reino que deve ser estabelecido publicamente,
quando falou das coisas futuras; mas ele também manteve diante deles que eles
já haviam sido colocados sob a autoridade de Deus ao receber a Cristo como
Senhor, e ele lhes mostrou o que significava estar sujeito à santa vontade de
Deus de uma maneira prática. É perceptível, por exemplo, que em suas epístolas
Paulo nunca se contenta em apresentar a verdade em abstrato; ele sempre
procedeu para impor a conduta que a verdade indicava como sendo a vontade de
Deus para eles.
Então, em terceiro lugar, ele
declarou a eles “todo o conselho de Deus”.
Ele os trouxe à luz de tudo o que Deus propôs para Cristo, a Igreja e o mundo
vindouro. Isso lhes deu o conhecimento do que até então tinha sido mantido em
segredo, e mostrou-lhes que Deus tinha pensamentos mais elevados do que Seus
propósitos anteriormente revelados em relação a Israel. Este terceiro tema de
seu ministério foi o que despertou uma oposição tão furiosa por parte de muitos
dos seus ouvintes judeus e finalmente levou à sua prisão. Daí suas palavras: “nunca
deixei de vos anunciar”. Se ao menos ele tivesse evitado essa parte de
seu ministério, ele poderia ter tido um tempo muito mais pacífico a seu serviço
e evitado muitos problemas; porque o conselho de Deus envolveu a entrada dos
gentios, de acordo com a verdade da Igreja. Ele sabia disso, mas não recuou.
Um ministério integral da
Palavra de Deus hoje deve incluir estes três temas – o evangelho de Deus, o
reino de Deus, o conselho de Deus.
Nos versículos 28-31,
encontramos a segunda parte de seu discurso, na qual ele os exorta e os
adverte. O Espírito Santo os fez bispos entre o rebanho que é a Igreja de Deus.
Aquele rebanho não era deles, mas de Deus por direito de compra, e eles
deveriam alimentá-lo ou pastorá-lo. Mas primeiro deviam prestar atenção quanto a
si mesmos, pois se um homem não se preocupa primeiro em cuidar de si mesmo como
pode cuidar do rebanho? Além disso, deveriam vigiar e estar em guarda contra os
adversários, lembrando-se de como o próprio Paulo os advertira com profundo sentimento
durante três anos. Não é fato que esse ministério de advertência quase
desapareceu por desuso?
Aqui Paulo adverte os anciãos
de duas principais fontes de dano: primeiro, os lobos cruéis que entram de
fora; segundo, o surgimento de homens pervertidos por dentro. Por “lobos” ele quis dizer sem dúvida
homens que eram verdadeiros agentes do diabo; o tipo de que Pedro fala como
trazendo “heresias destruidoras”
(ARA). Como esta previsão foi cumprida, a história da Igreja é testemunha; como
também testemunha do mal causado pelos homens que se levantaram do meio dos
anciãos, falando coisas “perversas”
ou “pervertidas”
(ARA). Estes são homens que, muito possivelmente, são verdadeiros crentes, mas
dão uma distorcida em seus
ensinamentos, o que perverte a verdade. Assim, eles se tornam líderes de
partidos e centros de atração para aqueles que eles enganam. Eles atraem a si
mesmos em vez de levar a Cristo. Nessas palavras, Paulo esboçou o futuro do que
conhecemos como Cristandade.
É por essa razão, talvez, que
não encontramos na Escritura nenhuma instrução quanto à perpetuação dos anciãos
de maneira oficial além do tempo da vida do apóstolo. Se de entre os anciãos viessem
estes trabalhadores do engano, é bom que nos seja permitido reconhecer e
aceitar com gratidão aqueles a quem Deus possa levantar, sem que eles tenham
uma nomeação oficial. No caso de homens que falam coisas pervertidas, sua
nomeação oficial só seria usada para sancionar o que está errado.
Na terceira parte de seu
discurso, Paulo indicou os recursos que permaneceriam apesar de tudo o que
aconteceria. Suas palavras eram
breves e compreendidas em um versículo, mas sua questão era do maior peso e importância. Nosso grande recurso está
em Deus e não no homem. Ele não os encomendou aos outros apóstolos: ele
certamente não podia encomendá-los aos anciãos, pois estava se dirigindo a eles
e, do meio deles obreiros do engano surgiriam. Deus e somente Deus é o recurso
do Seu povo. Mas então Ele deu Sua Palavra, que revela a Si mesmo.
Anteriormente Ele falou por meio de Moisés, como registrado no Velho Testamento:
essa era a Palavra de Sua exigência para
com os homens. Agora Ele falou em Cristo, como registrado no Novo Testamento; e
essa é a Palavra de Sua graça. A esta
Palavra somos especialmente encomendados, pois ela é capaz de nos edificar na
fé, e nos dar poder espiritual e gozar a herança junto com tudo o que é santificado,
o qual é nosso. A herança é nossa por fé em Cristo (ver Atos 26:18), mas é
ministrada a nós no poder presente pela Palavra de Sua graça.
A importância deste trigésimo
segundo versículo para nós hoje dificilmente pode ser exagerada. Deus e Sua
Palavra permanecem para nós, o que quer que apareça. Nenhum poder do mal pode
tocar em Deus. Ele permanece e podemos manter contato com Ele em oração, em
comunhão, em ação de graças e adoração. Sua Palavra permanece, pois Ele a guardou
em Sua providência e a preservou para nós. No entanto, é claro, é objeto de
incessantes ataques do inimigo. Muito cedo foi quase sufocada pelas tradições
dos Padres; então foi enterrada em uma língua desconhecida e apartada do povo;
agora que está disponível gratuitamente, é violentamente criticada, e toda
tentativa é feita para destruir sua autoridade. Seguindo os passos de Judas,
grandes homens a cumprimentam com um beijo, dizendo: “Salve, mestre de bela
linguagem!” Mas apenas para traí-la àqueles que lhe arrancariam todo vestígio
de autoridade divina. E, apesar de tudo, ela permanece como o recurso do
coração crente e obediente.
Paulo termina seu discurso
referindo-se novamente à retidão e sinceridade que o marcaram. Longe de desejar
adquirir, ele tinha sido um doador para os outros. Ele registrou uma palavra do
Senhor Jesus que não está registrada nos evangelhos, e aquela palavra que ele
havia exemplificado. Ele tinha anteriormente falado de ter anunciado e ensinado
a eles (v. 20), e ele repete que os havia anunciado todas as coisas. Ele
praticava diante deles o que lhes pregava. E é o espalhar que fala tão
efetivamente.
Paulo foi chamado para ser um
modelo para nós tanto santo, como servo, por isso nos é dado este registro
inspirado da sua revisão de seu serviço e, ao nos medirmos por esse modelo,
somos profundamente humilhados. Tendo acabado suas palavras para os homens, ele
se ajoelhou em oração com todos eles, em meio às suas lágrimas. Deve ter sido
uma cena comovente. A palavra usada para “beijar”
é aquela que significa beijar ardentemente; é a palavra usada para os beijos
concedidos pelo pai ao pródigo em Lucas 15 (A tradução de J. N. Darby do v. 20
diz: “ ... e o cobriu com beijos”). No entanto, talvez detectamos um elemento
de fraqueza pois o que os fez sofrer mais do que tudo foi o fato de que eles não
poderiam esperar vê-lo novamente. Será que eles não deveriam ter se
entristecido ainda mais pelo fato de que a formosa Igreja de Deus seria
devastada por lobos e prejudicada por homens pervertidos?
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