domingo, 16 de junho de 2019

ATOS 26


ATOS 26

Nesta ocasião não houve nenhum processo preliminar tedioso. Agripa imediatamente deu permissão a Paulo para falar por si mesmo. Assim libertado, ele foi capaz de dispensar todos os meros detalhes em defesa própria, e foi direto à mensagem a qual Deus havia confiado a ele, depois de reconhecer o profundo conhecimento de Agripa, e suplicar que fosse ouvido com paciência.
Começou afirmando que fora educado na mais estrita forma de judaísmo entre os fariseus, e que o que agora era acusado contra ele estava em conexão com a esperança que todo Israel alimentara desde os dias em que Deus deu Sua promessa. Essa esperança que eles ainda mantinham, mas Paulo sustentava que havia um cumprimento disso em Cristo, e particularmente em Sua ressurreição. Assim, desde o início de seu discurso, ele manteve a ressurreição bem em primeiro plano, como sendo o ponto principal da questão. No entanto, a ressurreição estava além dos pensamentos dos homens, fossem judeus ou pagãos; daí a sua pergunta: “Pois quê? julga-se coisa incrível entre vós que Deus ressuscite os mortos?” Seria absolutamente incrível se apenas homens estivessem em questão: Deus sendo introduzido – o real, verdadeiro e vivo Deus – seria incrível se assim não fosse.
Neste terceiro relato de sua conversão encontramos o apóstolo enfatizando grandemente a determinada e furiosa oposição a Cristo que o caracterizou no princípio. Ele era de fato “blasfemo, e perseguidor, e opressor [um homem prepotente e insolente – JND], como disse a Timóteo: ele se conduziu a ponto de estar “enfurecido demasiadamente” contra os discípulos e persegui-los até mesmo em cidades distantes. Foi assim que ele fez muitas coisas “contra o nome de Jesus Nazareno”. Foi ao meio dia, quando o Sol brilhava mais forte, que outra luz mais brilhante que o Sol o envolveu na estrada para Damasco, e a voz do Senhor foi ouvida. A luz incriada lançou a luz criada na sombra.
Várias características interessantes, não mencionadas nos relatos anteriores, aparecem aqui. A luz do céu lançou toda a companhia ao pó, e não apenas Paulo. Além disso, a voz estava em língua hebraica. Isso é notável, pois nos disseram anteriormente que, embora seus companheiros ouvissem a voz, nada lhes transmitia. Foi na sua própria língua, mas eles não entenderam. Eles foram afetados fisicamente, mas somente Paulo foi afetado espiritualmente. O elemento essencial na conversão não são grandes visões, nem sons maravilhosos, mas a obra vivificante do Espírito Santo. Jesus foi manifestado apenas a Paulo, e de tal maneira que ele descobriu que Ele era seu Senhor.
Quando ele reconheceu Jesus ser seu Senhor, foi-lhe dito claramente o que ele deveria fazer em relação à sua salvação pessoal. Isso aprendemos dos relatos anteriores. Aqui só nos é dito que, ao mesmo tempo, o Senhor disse-lhe com igual clareza, que Ele estava apreendendo-o para torná-lo o servo de Sua vontade de uma maneira muito especial. Ele deveria ser uma testemunha para os outros daquilo que acabara de ser revelado a ele, e de outras coisas que ainda seriam reveladas a ele pelo Senhor. Apenas aqui aprendemos sobre o modo como o Senhor o comissionou desde o início e quais eram os termos dessa comissão. Eles são muito impressionantes, e eles explicam completamente a notável carreira que temos traçado nos capítulos anteriores.
O propósito do Senhor era que ele fosse “livrado” ou tirado (JND) de entre o povo e dos gentios; isto é, ele deveria ser separado tanto de seu próprio povo, dos judeus e dos gentios, de modo a ficar em um lugar distinto de ambos. Muitas vezes tem sido dito que as palavras do Senhor: “Eu sou Jesus, a Quem tu persegues”, foram a primeira indicação de que os santos eram Seu corpo: talvez possamos dizer que as palavras que estamos considerando agora sejam a primeira indicação do lugar distinto que a Igreja ocupa, chamada para fora dos judeus e dos gentios. Paulo começou por ser colocado no lugar em que foram trazidos todos aqueles que creram no evangelho que ele foi comissionado para pregar.
Mas, como diz o final do versículo 17, ele foi especialmente enviado aos gentios. Como já notamos antes, ele foi abençoado por muitos judeus, enquanto seguiu sua comissão no mundo gentio; foi só quando ele se virou para o lado para se dirigir especialmente aos seus irmãos judeus, que ele falhou em alcançá-los. Quão plenamente nos adverte que nosso Mestre deve ser supremo e que nossa sabedoria é cumprir o Seu plano para nossas vidas e serviço. Aos gentios ele deveria ir, para “lhes abrires os olhos”.
Este foi um novo começo nos caminhos de Deus, pois até agora os gentios haviam sido deixados seguir seu próprio caminho. Estavam em trevas e na ignorância, mas agora seus olhos deveriam ser abertos.
Se, por meio dos trabalhos de Paulo, seus olhos estivessem efetivamente abertos, eles se afastariam das trevas e do poder de Satanás para a luz e para Deus. Isto é o que entendemos por conversão. Deve, é claro, envolver a convicção do pecado, pois nenhum de nós pode entrar na luz de Deus sem que essa convicção seja formada em nós. Mas então, como resultado da mudança, há a recepção do perdão. Existe o divino ato de perdão em que podemos nos regozijar, e não apenas isso, mas também entramos em uma herança que compartilhamos em comum com todos aqueles que estão separados para Deus. Perdão é o que podemos chamar de bênção negativa do evangelho e a herança é a positiva. O perdão é uma perda e não um ganho – a perda de nossos pecados; do amor a eles, bem como da pena a qual eles implicam. A herança é o que ganhamos.
E tudo isso é “pela fé em Mim”. Aqui temos o caminho pelo qual a bênção é alcançada. Não por obras, mas por fé; e dessa fé, Cristo é o Objeto. A virtude não está na fé, mas no Objeto em Quem a fé repousa. Assim, desde o momento de sua conversão, o futuro curso e ministério de Paulo foi assinalado para ele e, por revelação do Senhor, foi-lhe dada a mensagem que ele deveria pregar. Temos, então, no versículo 18, um resumo completo das bênçãos que o evangelho traz para aquele que o recebe em fé. Os olhos de seu coração e mente estão abertos para a verdade; ele é trazido das trevas para a luz e do poder de Satanás para Deus; seus pecados são perdoados e ele sabe disso; ele compartilha da herança comum com aqueles que também são separados para Deus.
Tendo recebido estas instruções, Paulo tinha sido fiel à sua comissão, e começando onde estava e alargando-se para as nações, ele mostrou aos homens em todos os lugares qual deveria ser a sua resposta ao evangelho. Eles deveriam se arrepender; eles deveriam se voltar para Deus; eles devem fazer obras de acordo com o arrependimento que professam. O arrependimento envolve a vinda para a luz que capacita a pessoa a ver e julgar a própria pecaminosidade, e então a confissão dela diante de Deus. Ora, quanto mais vemos nosso próprio pecado, mais desconfiamos de nós mesmos; quanto mais desconfiamos de nós mesmos, mais aprendemos a confiar em Deus: consequentemente, converter-se para Deus é seguido por uma negação de nós mesmos. Tudo isso é um processo interior de mente e coração de natureza mais ou menos secreta, mas, se for real, logo produz ações e trabalha em sintonia com a conversão. Se não houver “obras dignas de arrependimento”, podemos ter certeza de que o arrependimento declarado não é algo genuíno. Paulo insistiu em todas as três coisas, e ele sabia, é claro, que não são apenas o caminho designado por Deus, no qual as bênçãos do evangelho são recebidas, mas elas mesmas são produzidas pelo evangelho, onde ele é recebido em fé.
Ora, era exatamente isso que tanto instigava a animosidade dos judeus, pois se esse era o meio de entrar no favor de Deus, estava tão aberto aos gentios quanto aos judeus. Mas ele deixou muito claro a Agripa que o que havia sido predito por Moisés e pelos profetas era a base de tudo o que ele havia pregado. Ele anunciou o sofrimento de Cristo; Sua ressurreição; e que, como Ressuscitado, Ele deveria trazer a luz de Deus a toda a humanidade – não apenas judeus, mas gentios também. Quão claramente este último ponto é declarado em Isaías 49, assim como a morte e ressurreição de Cristo são preditas em Isaías 53.
No versículo 23, então, temos um claro testemunho prestado a Agripa, Festo e a todos os outros presentes, quanto à gloriosa base sobre a qual de fato repousa o evangelho. Na verdade, podemos dizer que primariamente a pregação do evangelho é a declaração desses fatos, e precisamos mantê-los na linha de frente de nossa pregação hoje tanto quanto nos dias de Paulo. Então, como vimos, o versículo 18 nos dá as bênçãos que o evangelho confere; e no versículo 20, o modo pelo qual as bênçãos do evangelho são recebidas.
Para a mente pagã dos romanos, a ideia de ressurreição era simplesmente inadmissível, como Paulo havia antecipado na abertura de seu discurso, de modo que a menção de Cristo ressuscitado dos mortos levou Festo a uma alta exclamação. Quantas vezes por meio dos séculos o Cristão foi acusado de loucura! Aqui está a primeira ocorrência registrada da provocação que está sendo lançada pelo homem do mundo. No entanto, não foi um abuso vulgar, pois Festo era um romano polido. Ele pelo menos atribuiu a “loucura” de Paulo a um excesso de estudo e aprendizado. Mesmo assim ele pensou que Paulo estava louco! 
A defesa de Paulo estava se movendo em sua dignificada simplicidade. Ele dirigiu-se a Festo de uma maneira que se convinha à sua alta posição, e então afirmou que, ao contrário, o que ele dissera eram “palavras de verdade e de perfeito juízo” (TB). Para Festo, era tudo um romance de uma mente intoxicada, pois os deuses que ele venerava não exerciam nenhum poder além do túmulo. O homem fraco pode matar e derrubar até o túmulo – isso é uma coisa fácil: somente do Deus vivo se pode dizer: “O Senhor é o que tira a vida e a dá: faz descer à sepultura e faz tornar a subir dela (1 Sm 2:6). Almejemos todos assim declarar o evangelho de forma que nossos ouvintes possam reconhecer que estamos falando da sóbria verdade.
Tendo respondido a Festo, Paulo lançou um apelo a Agripa, sabendo que ele professava crer nas Escrituras proféticas, portanto, saberia que o que ele pregava foi de fato predito ali. O apelo evidentemente atingiu sua consciência. A resposta de Agripa, tememos, não era uma confissão de que ele estava quase convencido da verdade do evangelho, mas sim de uma tentativa semi-jocosa de se livrar do efeito do apelo. Ele disse de fato: “Dentro em pouco você estará fazendo de mim um Cristão!” De suas palavras, é evidente que o termo “Cristão”, cunhado pela primeira vez em Antioquia, tinha agora obtido ampla circulação. Por ele os discípulos foram descritos com muita precisão. Na réplica de Paulo há uma dignidade moral que não é facilmente superada. Um pobre prisioneiro está em meio a grande pompa e magnificência e deseja a seus augustos juízes que eles sejam exatamente como ele é, exceto por suas cadeias! Enquanto os anjos olhavam abaixo para aquela visão, viram um herdeiro de eterna e superior glória em pé diante dos cacos de barro, vestidos por um breve momento em uma demonstração de mau gosto. Paulo sabia disso, e que não havia nada melhor para qualquer homem do que ser tal qual ele era.
Isso encerrou a sessão. Paulo teve a última palavra; e nos regozijamos ao notar como ele, cheio do Espírito Santo, está de pé no auge do grande chamamento que o tinha alcançado – o chamamento que nos alcançou também.
Mais uma vez também sua inocência é declarada pela autoridade competente. Se ele não tivesse apelado para César, ele poderia ter sido libertado.

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