Se
lermos Levítico 23, poderemos ver que, assim como a Páscoa era profética com
relação à morte de Cristo, o Pentecostes era profético quanto à vinda do
Espírito, em cujo poder é apresentada a Deus a “nova oferta de manjares” (Lv 23:16), que consiste nos dois pães de
primícias – uma eleição de judeus e gentios, santificada pelo Espírito Santo.
Assim como aquilo para o qual a Páscoa apontava foi cumprido no dia da Páscoa, Aquilo
que o Pentecostes apontava foi cumprido no dia de Pentecostes. Em Jesus, o
Espírito veio como uma pomba: sobre os discípulos, como o som de um vento ou um
sopro poderoso, e como línguas de fogo repartidas. O vento apelou para o ouvido
e lembrou-os do assopro do próprio Senhor, do qual João 20:22 nos fala. As
línguas de fogo apelaram para os olhos e foram bastante singulares. O vento
encheu todos: as línguas pousaram sobre
cada um deles. Podemos conectar o
poder interior com um; e a expressão do poder em muitas línguas com o outro,
conforme o Espírito dava expressão. Quando
Jesus veio, Ele era audível, visível e tangível – veja 1 João 1:1. Quando o
Espírito veio, Ele era audível e visível apenas, e isso de maneira misteriosa.
É importante que, desde o
início, devemos distinguir entre o grande
fato da presença do Espírito e os sinais
e manifestações de Sua presença, que
variam muito. Este é o dom definitivo do Espírito, referido em João 7:39, João
14:16, entretanto, uma vez que aqui apenas os judeus estavam em questão, o
derramamento do Espírito sobre os gentios crentes (veja Atos 10:45) foi um ato
suplementar a isso. Tendo vindo assim, o Espírito habita com os santos por toda
a dispensação. Como resultado do derramamento aqui, todos eles foram cheios do
Espírito, de modo que Ele estava no controle total de cada um. Devemos também
distinguir entre o dom do Espírito e
o estar cheio do Espírito, uma vez
que o primeiro pode existir sem o último, como veremos mais adiante. Aqui ambos
estavam juntamente presentes.
Aqueles a quem o Espírito
veio eram um povo que orava, assemelhando-se
com o seu Senhor. Eles “todos estavam de
um acordo” – KJV (“estavam todos concordemente” – ARF) e,
consequentemente, “em um só lugar” – KJV (“em um único lugar” – JND). O único
lugar não é nomeado: pode ter sido o cenáculo de Atos 1, mas mais
provavelmente, em vista das multidões que ouviram as declarações dadas pelo
Espírito, algum pátio do templo, como o pórtico de Salomão. De qualquer forma,
a coisa era tão real e poderosa e não podia ser escondida. Foi, dentro de uma
esfera limitada, uma reversão de Babel. A orgulhosa edificação do homem foi parada pela confusão de línguas: aqui
Deus sinalizou que a Sua edificação espiritual foi iniciada ao exercer domínio sobre as línguas e simplificando-as à
ordem.
Podemos ver outro contraste
no fato de que quando o tabernáculo foi feito no deserto e o Senhor tomou posse
dele pela nuvem de Sua presença, Ele imediatamente começou a falar a Moisés a
respeito do sacrifício. Isso é mostrado conectando Êxodo 40:35, com Levítico 1:1-2.
Em nosso capítulo temos Deus tomando posse de Sua nova casa espiritual por Seu
Espírito, e novamente Ele fala imediatamente por Seus inspirados apóstolos.
Muitas pessoas de diferentes países ouvem “as
grandezas de Deus”.
A investigação das multidões
deu a oportunidade de testemunhar. Pedro era o porta-voz, embora os onze
estivessem com ele apoiando suas palavras, e ele imediatamente os direcionou
para a Escritura que explicava o que tudo aquilo significava. Joel havia
predito o derramamento do Espírito sobre toda a carne em dias que ainda estavam
por vir, e o que acabara de transparecer era um cumprimento disso, embora não o cumprimento. As palavras de Pedro, “isto é o que foi dito”, implicam que era da natureza daquilo que Joel havia predito, mas não necessariamente
a coisa completa e conclusiva que a profecia tinha em vista. João Batista havia
dito de Jesus: “Esse é o que batiza com
o Espírito Santo” (João 1:33). Joel dissera que, depois do arrependimento
de Israel e da destruição de seus inimigos, deveria haver esse derramamento do
Espírito sobre toda a carne. Ora, no dia de Pentecostes, houve uma espécie de
primícias disto no derramamento do Espírito sobre aqueles que formaram o núcleo
da Igreja. Essa foi a verdadeira explicação do que havia acontecido. Eles não
estavam embriagados com vinho, mas cheios do Espírito.
Mas Pedro não parou aí; Ele
começou a mostrar porque esse batismo
do Espírito havia ocorrido. Foi a ação direta de Jesus, agora Exaltado à destra
de Deus. Isso encontramos quando alcançamos o versículo 33; mas a partir do versículo
22 ele estava guiando as mentes das pessoas por meio das cenas da crucificação
até a Sua ressurreição e exaltação. Jesus Nazareno havia sido, de forma muito manifesta,
aprovado por Deus durante os dias de Seu ministério, contudo eles O mataram com
suas mãos iníquas. Ele havia sido entregue a isto por Deus de acordo com Seu “determinado conselho e presciência”,
pois Deus sabe como fazer a ira do homem louvá-Lo e realizar Seus desígnios de
bênção; embora isso não diminua a responsabilidade do homem no assunto. O
versículo 23 é um claro exemplo de como a soberania de Deus e a
responsabilidade do homem não se chocam, quando se trata de resultados
práticos; embora possamos ter dificuldade em reconciliar os dois como um assunto teórico.
O que eles tinham feito tão perversamente, Deus havia desfeito triunfantemente. A colisão
entre o programa deles e o de Deus foi completa. Antevia o completo desmantelamento deles e sua própria derrubada no momento devido; particularmente
porque a ressurreição havia sido prevista por Deus, e predita por meio de Davi
no Salmo 16. Ora Davi não poderia estar falando de si mesmo, pois ele havia
sido sepultado e seu túmulo era bem conhecido entre eles naquele dia. Quando
ele falou de Um, cuja alma não foi deixada no Hades e cuja carne não viu
corrupção, ele falou de Cristo. O que ele disse foi cumprido: Jesus não foi
apenas ressuscitado, mas exaltado ao céu.
Como o Homem exaltado, Jesus
recebeu do Pai o Espírito Santo que havia sido prometido e O derramou sobre Seus
discípulos. No Seu batismo Ele recebeu o Espírito Santo para Si mesmo como o Homem dependente; agora Ele
recebe o mesmo Espírito Santo em favor de
outros como Representante deles. Ao derramar o Espírito, esses outros foram
batizados em um só corpo e se tornaram Seus membros. Isso aprendemos com as Escrituras
posteriores.
Nos versículos 34-36, Pedro
leva seu argumento a um passo adiante, ao seu clímax. Davi havia profetizado
sobre seu Senhor, que deveria ser exaltado à direita de Deus. O próprio Davi
não foi elevado aos céus assim como não ressuscitou dos mortos. Aqu’Ele de Quem
Davi falou foi assentar-Se no assento da administração e do poder até que Seus
inimigos fossem postos por escabelo de Seus pés; portanto, a conclusão de toda
a questão era esta: o derramamento do Espírito, que eles haviam visto e ouvido,
provou além de qualquer sombra de dúvida que Deus havia feito do crucificado
Jesus, tanto Senhor como Cristo.
Como Senhor, Ele é o grande Administrador em favor de Deus, seja em
bênção ou em julgamento. Seu derramamento do Espírito havia sido um ato de
administração que revelou Seu Senhorio.
Como Cristo Ele é a Cabeça ungida de todas as coisas, e particularmente do pequeno
punhado dos Seus próprios deixados sobre a Terra. Sua recepção do Espírito dado
pelo Pai em favor dos Seus, preliminarmente ao Seu derramamento, revelou Seu
“estado ou fato de ser o Cristo”[1]
Sendo “feito” Senhor e Cristo é bastante consistente com o fato de Ele
ter sido Ambos durante Sua jornada na Terra. Estas coisas foram sempre Suas,
mas agora Ele foi oficialmente feito como Tal, como o Homem ressuscitado e
glorificado. Notícia maravilhosa para nós; mas terrível notícia para aqueles
que tinham sido culpados de Sua crucificação. Isso simplesmente garantiu sua
terrível condenação, se eles persistissem em seu curso.
O Espírito, que acabara de pousar
sobre os discípulos, começou agora a trabalhar nas consciências de muitos dos
ouvintes. Assim que eles começaram a perceber a situação desesperada em que
foram colocados pela ressurreição do Senhor, foram compungidos em seu coração e
clamaram por direção. Pedro indicou o arrependimento e o batismo em nome de
Jesus Cristo como o caminho para a remissão dos pecados e o dom do Espírito
Santo; pois, como ele aponta no versículo 39, a promessa em Joel é para o Israel
arrependido, e para os filhos dos tais, e até para os gentios distantes. Assim,
no primeiro sermão Cristão, a extensão da bênção do evangelho aos gentios é
contemplada. A remissão de pecados e o dom do Espírito trazem consigo todas as
bênçãos Cristãs.
Pode nos parecer notável que
Pedro não mencione fé. Mas deduz-se isso, pois ninguém se submeteria ao batismo
em nome de Jesus Cristo, a menos que cresse n’Ele. O batismo significa a morte
e, consequentemente, a dissociação da vida e das conexões antigas. Eles não
estariam preparados para cortar suas ligações com a velha vida, a menos que
realmente cressem naqu’Ele que era o Senhor da nova vida. Com muitas palavras,
Pedro testificou e exortou-os a cortar seus vínculos e, assim, salvarem-se
dessa “geração perversa”.
A fé estava presente, pois
nada menos que três mil receberam a palavra de Pedro. Um momento antes eles
conheciam a angústia de ser compungidos em seu coração. Agora eles receberam o
evangelho e cortaram suas ligações pelo batismo. Tendo assim se dissociado da
massa de sua nação, que havia crucificado o seu Senhor, eles tomaram sua
posição ao lado dos 120 originais, que foram multiplicados vinte e cinco vezes
em um dia. Além disso, eles não apenas começaram,
mas foram marcados pela continuação
constante.
As quatro coisas que os
marcaram, de acordo com o versículo 42, são dignas de nota. Primeiro vem a
doutrina ou ensinamento dos apóstolos. Isso é a base das coisas. Os apóstolos
eram os homens a quem o Senhor havia dito: “quando
vier aqu’Ele Espírito de verdade, Ele vos guiará em toda a verdade” (Jo 16:13). Sua doutrina foi consequentemente o
fruto da direção do Espírito. A Igreja tinha agora sua existência, e a primeira
coisa que a marcou foi sujeição ao ensino
do Espírito por meio dos apóstolos. A Igreja não ensina; é ensinada e está
sujeita à Palavra dada pelo Espírito.
Continuando na doutrina apostólica, eles também
continuaram na comunhão apostólica. Eles encontraram sua vida prática e
sociedade em companhia apostólica. Anteriormente, eles tinham tudo em comum
com o mundo; agora a comunhão com o mundo havia desaparecido e a comunhão com
os círculos apostólicos havia sido estabelecida – e a comunhão apostólica era “com o Pai, e com Seu Filho Jesus Cristo”
(1 Jo 1:3).
Eles continuaram também no
partir do pão, que era o sinal da morte de seu Senhor, e também incidentalmente
– como aprendemos em 1 Coríntios 10:17 – uma
expressão de comunhão. Assim, eles estavam em constante lembrança de seu
Senhor que morreu e preservados de se voltarem às suas antigas associações.
Finalmente, eles continuaram
em orações. Eles não tinham poder em si mesmos; tudo foi investido em seu
Senhor no alto e no Espírito dado a eles. Portanto, a constante dependência de Deus era necessária para a manutenção de
sua vida espiritual e testemunho.
Essas coisas marcaram a Igreja
primitiva e não devem marcar menos a Igreja hoje. As coisas mencionadas nos versículos
finais do capítulo eram de caráter menos permanente. Os apóstolos, com sinais e
maravilhas se foram. O comunismo Cristão, que prevaleceu no início, também
passou; assim como a perseverança diária no templo e o terem o favor de todo o
povo. No entanto, tudo foi superado por Deus. A venda de suas posses provocou
muita pobreza entre os santos, quando anos mais tarde veio a fome, foi a
ocasião para esse ministério de alívio vindo das assembleias gentias (ver Atos
11:27-30), que tanto contribuiu para unir os membros judaicos e gentios na Igreja
de Deus.
No momento, havia
simplicidade, alegria e singeleza de coração com muito louvor a Deus. E a obra
de Deus, acrescentando o remanescente crente à Igreja, continuou.
[1] N. do T.: O autor aqui usa a palavra “Christhood” que não tem uma correspondente em português, mas cuja definição seria “estado ou fato de ser o Cristo”.