domingo, 16 de junho de 2019

ATOS 24


ATOS 24

A carta escrita por Cláudio Lísias é um documento bastante típico, no qual ele apresentou suas próprias ações sob a luz mais favorável; mas, por outro lado, exonerava inteiramente a Paulo qualquer coisa realmente má ou digna de morte. As únicas acusações contra ele eram sobre “questões da lei deles” (TB). Assim fica claro que o primeiro oficial romano em cujas mãos ele caiu, rapidamente se convenceu de que as acusações contra ele eram quanto à sua fé, e não havia culpa nele quanto a questões de conduta. Deus, evidentemente, cuidou para que isso se tornasse abundantemente claro.
Assim foi ordenado que o propósito dos quarenta homens fracassasse, apesar de seu voto e maldição. Paulo estava em segurança nas fortes mãos de Roma, e no devido tempo seria capaz de expor seu caso em uma atmosfera mais calma, e levar o Nome de seu Mestre diante de “os gentios e reis”, bem como os filhos de Israel, como havia sido predito por Ananias. Antes de tudo ele teve que comparecer perante Felix, o governador.
A acusação de Paulo diante do governador carrega todas as marcas de amargo ânimo e preconceito. O fato de que não só os anciãos, mas até mesmo Ananias, o sumo sacerdote, achasse necessário descer para se apresentar contra ele, mostra a importância que deram ao seu caso. Então eles empregaram um advogado que, a julgar pelo seu nome, era um romano e não um judeu. Tértulo, eles sem dúvida achavam, saberiam melhor do que eles o que atrairia a mente romana, e assim teriam mais chances de garantir uma acusação. Tértulo sabia e começou com exagerada bajulação, pois o relato dado sobre a administração de Félix na história secular está em plena oposição ao que ele afirmou. A isso seguiu-se uma acusação quádrupla contra Paulo. Todas as quatro acusações eram vagas, particularmente a primeira, que ele era uma peste, e a segunda que ele era um promotor de sedições. Acusações vagas eram preferidas, pois ele sabia que elas não poderiam ser facilmente desmentidas como normalmente acusações claramente definidas podem ser.
A terceira e quarta acusações foram um pouco mais definidas. A quarta, quanto a profanar o templo, era falsa, como mostrava o capítulo anterior: a terceira era a única com alguma aparência de verdade. Ele provou ser um líder entre os Cristãos, que eram conhecidos pelos judeus como a seita dos nazarenos. Eles eram de fato seguidores do desprezado Nazareno, mas eram enfaticamente não apenas uma nova seita entre os judeus. O livro de Atos foi escrito para nos mostrar que eles não eram isso, mas sim algo inteiramente novo. O mundo nunca entende qualquer obra genuína de Deus.
Tértulo teve o cuidado de apresentar a ação de Lísias sob uma luz desfavorável, já que ele havia reprimido a violência dos judeus; e os judeus apoiaram as afirmações de seu advogado. Os judeus forneceram o ânimo e usaram o gentio como sua ferramenta, como fizeram no caso do Senhor.
A resposta de Paulo foi em todos os aspectos um contraste com a oratória de Tértulo. Ele reconheceu que Felix teve muitos anos de experiência como juiz entre os judeus, mas se absteve de lisonja. Ele evitou asserções vagas, negando explicitamente quaisquer disputas e sedições, e salientando que apenas doze dias haviam se passado desde o momento em que ele pusera os pés em Jerusalém. Ele mostrou que, embora tivessem feito muitas acusações, não haviam fornecido provas e não podiam fazê-lo. Então, fazendo uma confissão simples e clara do que o caracterizara, e o que realmente estava no fundo da hostilidade deles, lançou em destaque aquilo que estava no fundamento do evangelho que ele pregava. Eles chamavam isso de heresia, mas era o próprio fundamento da verdade.
Desta forma, com habilidade, Paulo anunciou sua crença em tudo o que havia sido escrito no Velho Testamento, e mostrou que todas as esperanças Cristãs são baseadas na ressurreição, a qual, é claro, foi confirmada em Cristo. E é igualmente certo que haverá uma ressurreição para os injustos. Isso foi, evidentemente, um tiro dirigido à consciência de Felix, bem como a todos os outros presentes. Ninguém permanecerá enterrado na sepultura para escapar da mão poderosa de Deus em julgamento.
Tendo proclamado sua fé nas Escrituras e na ressurreição, Paulo prosseguiu afirmando que sua conduta estava de acordo com o que ele cria. Sua consciência era clara, e ele só tinha vindo a Jerusalém em uma missão de misericórdia, e quando no templo, seu comportamento tinha sido perfeitamente ordenado e correto. Foram os judeus da Ásia que provocaram o tumulto, não ele; e agora que havia oportunidade para que eles apresentassem suas acusações contra ele de uma maneira ordenada, eles não estavam lá para fazê-lo.
Mas havia judeus presentes que o haviam visto comparecer diante do conselho, e ele sabia que eles não encontravam nenhuma falha nele, a não ser que declarava sua crença na ressurreição. Paulo não tinha dúvida de que era a facção dos saduceus que o perseguia tão implacavelmente e que comparecia contra ele, e ele teve o cuidado de deixar bem claro para Felix que sua crença na ressurreição dos mortos, como se verificou na ressurreição de Cristo, foi o verdadeiro ponto da questão. Pode ser também que Paulo quisesse reconhecer que a maneira pela qual ele clamara no conselho não tinha sido completamente livre de culpa.
Felix, como aprendemos no versículo 24, tinha uma esposa judia, e assim estava bem informado sobre as coisas, e percebeu imediatamente que não havia nada de mal em Paulo. Ele suspendeu a corte sob o pretexto de esperar por Lísias, o tribuno, então mais uma vez os acusadores foram frustrados, especialmente porque o adiamento era “sine die”[1], como nossos tribunais colocam. Entrementes, Paulo recebeu uma medida extraordinária de liberdade, na qual novamente podemos ver a mão dominadora de Deus.
Não há registro de Lísias descendo, mas nos é dito como Félix, com Drusila sua esposa, chamaram por Paulo e lhe deram uma audiência privada, enquanto ele testificou da fé em Cristo. Esta foi uma grande oportunidade, e Paulo, evidentemente, conhecia o caráter fraco e corrupto do governador, e assim enfatizou a justiça, temperança e julgamento vindouro. Podemos tomar a justiça como resumo da mensagem do evangelho, como Romanos 1:16-17, mostra tão claramente. A temperança ou controle próprio é o resultado do evangelho na vida de quem o recebe; e o julgamento vindouro é o que aguarda aqueles que o rejeitam. Assim, embora o resumo dado do discurso de Paulo seja extremamente breve, podemos ver que as três palavras abrangem os fatos salientes do evangelho.
Havia grande poder com a mensagem e Félix tremia, mas ele adiou a questão para aquela “ocasião favorável” (AIBB), que tantas vezes nunca chega. Foi assim neste caso. Dois anos se passaram antes que Felix fosse substituído por Festo, e durante esse período houve várias entrevistas, nada aconteceu, e Felix deixou Paulo preso no esforço de alcançar favor os judeus. O verdadeiro cancro no coração de Felix era o amor ao dinheiro. Seu caso ilustra de forma impressionante como pode haver uma obra poderosa do Espírito por meio do evangelho de forma exterior no homem, mas como qualquer trabalho no coração e a consciência interior podem ser sufocados por alguma concupiscência ativa, como o amor ao dinheiro. A verdadeira conversão ocorre quando a obra exterior do Espírito é complementada e correspondida pela obra interior do Espírito.


[1] N. do T.: Sem fixar uma data futura.

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