segunda-feira, 1 de julho de 2019

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domingo, 16 de junho de 2019

ATOS 28


ATOS 28

Ainda vemos a mão protetora de Deus estendida sobre Paulo e seus companheiros quando eles desembarcaram em Malta. Embora os habitantes fossem “bárbaros” de acordo com os pensamentos romanos, eles mostraram uma bondade excepcional ao grupo naufragado, e as coisas estavam tão dominadas que logo descobriram que um dos visitantes naufragados não era uma pessoa comum. Paulo estava ocupado, fazendo o que podia para ajudar, quando uma víbora mordeu sua mão. Os ilhéus supersticiosos colocaram sua interpretação sobre isso, mas quando o esperado não aconteceu, mudaram de ideia, pulando para a conclusão oposta. A superstição nunca chega a conclusões corretas. Para Paulo, sem dúvida, foi um acontecimento muito menor, visto que ele havia passado pela longa lista de aventuras que catalogou em 2 Coríntios 11:23-28. E quando ele escreveu essa lista, ainda estava inacabada. Ele não passara, por exemplo, pelo naufrágio do qual estivemos lendo. Ele havia naufragado três vezes antes que isso acontecesse. Não há muitos que sobreviveram a quatro naufrágios, nos aventuramos a pensar, mesmo que fossem velejadores profissionais, o que ele não era.
Paulo teve oportunidade de recompensar o chefe da ilha orando e curando o pai dele, tendo em vista o gentil interesse que tivera por todos eles em suas necessidades. Não lemos sobre qualquer testemunho que Paulo tenha prestado, mas sua oração deve ter mostrado a todos que o poder de cura que ele exercia não era dele, mas ligado a Deus. Os ilhéus, achando que o poder de Deus estava no meio deles, não demoraram a buscá-lo para cura de seus corpos, e ao procurá-lo, a encontraram. Tudo isso, na providência de Deus, levou a um tempo de conforto após a quinzena de terrível teste, e até mesmo a um tempo de honra, e isso durou três meses. O apóstolo havia registrado: “Sei estar abatido, e sei também ter abundância” (Fp 4:12). Estes três meses provaram ser um tempo de abundância.
O mesmo pode ser dito do resto da jornada, quando foi retomada. Tudo correu favoravelmente e chegando a Putéolos, e, encontrando irmãos ali que imploravam a Paulo que ficasse com eles por uma semana, a visita foi organizada de forma feliz. A essa altura, evidentemente, o centurião no comando havia tomado a medida de seus prisioneiros e estava disposto a conceder-lhe notável liberdade. Na viagem terrestre também, irmãos vieram ao seu encontro, tendo ouvido falar de sua aproximação, e isso foi um grande alento para Paulo. Embora fosse homem espiritual, e completamente em contato com Deus e dependente d’Ele, ele não estava acima de agradecer a Deus e se encorajando no amor e na comunhão dos santos, cuja estatura espiritual pode ter estado muito abaixo da sua. É impressionante ver isso e muito encorajador para nós. Tenhamos muito cuidado para não desprezar ou mesmo subestimar o valor da comunhão dos santos.
Assim Paulo chegou a Roma. Suas circunstâncias eram muito diferentes daquelas que ele tinha visualizado quando escreveu antes relatando o que pretendia fazer (veja Romanos 15:22-32), mas ele tinha chegado a eles com certa dose de alegria pela vontade de Deus, e ele foi marcado pela “plenitude da bênção do evangelho de Cristo”. A mão de Deus ainda estava sobre ele, pois, apesar de ser um prisioneiro, ele foi autorizado a habitar sozinho sob guarda, e isso deu-lhe certa liberdade de serviço e testemunho.
Apenas três dias depois de sua chegada, ele foi capaz de reunir o chefe da colônia judaica em Roma e colocar algo de seu caso diante deles. Ele deixou claro que não desejava ser um acusador de sua nação, mas que toda sua ofensa aos olhos dos judeus estava conectada com a “esperança de Israel”; isto é, o Messias há muito tempo prometido. Os judeus, por sua vez, professavam ignorância a respeito de seu caso, mas sabiam do Cristo que Paulo pregava e que ser um Cristão significava para eles pertencerem a uma “seita ... que em toda parte se fala contra ela”. Em toda parte, note-se; não só entre os judeus, mas também entre os gentios. O Cristianismo genuíno nunca foi popular e nunca será. Ele corta profundamente contra a fibra da natureza humana.
Ainda assim, professavam o desejo de ouvir o que Paulo tinha a dizer; e assim um dia foi combinado, muitos vieram, e por um dia inteiro ele foi capaz de expor e testificar e persuadir. Seu tema era o reino de Deus e Jesus, como aqu’Ele em Quem esse reino é centrado e estabelecido; e tudo o que ele tinha a dizer baseava-se na lei de Moisés e dos profetas, pois todos haviam sido tipificados e preditos. Os três verbos são dignos de nota. Primeiro ele expôs as Sagradas Escrituras, mostrando o que elas tinham a dizer e esclarecendo sua força. Então ele testificou de Jesus, relacionando sem dúvida o que ele conhecia pessoalmente de Sua glória no céu, e mostrando exatamente como Ele havia cumprido tudo o que as Escrituras haviam dito a respeito de Seu advento em humilhação. Por fim, ele se propôs a convencer seus ouvintes da verdade de tudo o que ele expôs. Paulo não pregou o que foi chamado de evangelho “pegar ou largar”, mas trabalhou com zelo amoroso para alcançar os corações daqueles que ouviram, e garantir deles uma resposta em fé. Vejamos que o imitamos nisto, pois temos que lembrar de que, embora nada menos do que a ação do Espírito Santo nos corações dos homens seja eficaz, o Espírito frequentemente Se agrada em trabalhar por meio da capacidade de persuasão dos servos de Deus, que estão cheios de amor e zelo.
Foi assim neste caso. O registro aqui é que, enquanto alguns permaneceram na incredulidade, “alguns criam no que se dizia”. Quando a Palavra é pregada, é quase sempre assim. Somente em Atos – quando Pedro pregou a Cornélio – encontramos todos convertidos; mas isso não é o usual, pois no momento presente Deus está chamando uma eleição tanto de judeus quanto de gentios.
Para os judeus incrédulos, antes de partirem, Paulo falou uma última palavra, citando a passagem de Isaías 6, que o próprio Senhor citou em Mateus 13, e João cita no capítulo 12 de seu evangelho. Este triste e terrível processo de endurecimento e morte espiritual se instalou mesmo nos dias de Isaías, cerca de sete séculos antes de Cristo. Foi muito mais pronunciado quando Cristo estava na Terra; e agora o estágio final foi alcançado. Paulo pronunciou estas palavras, percebendo que durante esta era do evangelho, o dia de Israel como nação terminara. Nacionalmente, eles estão cegos e sem entendimento das coisas de Deus, embora sejam muito perspicazes quanto às coisas do mundo. Isso obviamente não entra em conflito com o fato de que Deus ainda está chamando um remanescente de acordo com a eleição da graça, como afirma Romanos 11.
É digno de nota que, citando esta passagem, Paulo diz: “Bem falou o Espírito Santo. Se nos voltarmos para Isaías 6, encontramos o profeta dizendo a respeito desta mensagem: “ouvi a voz do Senhor”, referindo-se a Jeová dos Exércitos; e voltando-se para João 12, encontramos o comentário: “Isaías disse isto quando viu a Sua glória e falou d’Ele, e temos apenas que olhar nos versículos precedentes para descobrir que a “Sua” e “d’Ele” referem-se a Jesus. Quão simples é, pois, que Jeová dos exércitos seja identificado tanto com Jesus como com o Espírito Santo – três Pessoas, mas um só Deus.
O versículo 28 nos dá as últimas palavras de Paulo, conforme registrado em Atos. Elas são muito significativas, como nos dando o ponto para o qual o livro nos conduziu. Ele proclama como uma mensagem definitiva de Deus que Sua salvação é agora enviada aos gentios como resultado da cegueira e dureza do judeu; e ele acrescenta: “e eles a ouvirão”. Isso não significa que todos eles ouvirão, mas sim que, distintamente do judeu, um ouvido que ouve será encontrado lá. Isso, graças a Deus, provou ser verdade ao longo dos séculos.
Quando o Senhor falou à mulher siro-fenícia sobre as crianças e os cães, a pobre mulher, enxergando o ponto, tomou o lugar de ser apenas um cão gentio, e ainda alegou que Deus era bom o suficiente para permitir que houvesse algumas migalhas de misericórdia para ela. Ela estava certa: o Senhor a chamou de grande e honrou-a, concedendo-lhe o seu desejo. Mas aqui encontramos algo mais maravilhoso ainda. Os filhos desprezaram e rejeitaram as boas coisas fornecidas, não apenas as migalhas, mas toda a refeição foi enviada aos cães. Como o próprio Paulo coloca em Romanos 11: “a sua queda é a riqueza do mundo, e a sua diminuição a riqueza dos gentios” e “a sua rejeição é a reconciliação do mundo”. Isso não significa que todo o mundo será finalmente reconciliado, mas que Deus agora Se voltou em favor para com o mundo, oferecendo a Sua salvação a todos os homens.
Paulo ainda era um prisioneiro, mas ele foi autorizado a alugar uma casa e morar lá e receber todos os que desejavam vê-lo. Assim, ele teve oportunidades de testemunho e a Palavra de Deus não estava presa. No que diz respeito a este livro, vemos que ele passou dois anos inteiros pregando o reino de Deus e ensinando as coisas concernentes ao Senhor Jesus Cristo, sem qualquer impedimento. Seu julgamento foi adiado pela providência de Deus, e uma porta de pregação foi assim aberta para ele. Durante esse tempo Onésimo foi convertido e, sem dúvida, outros também; algumas de suas Epístolas também foram escritas.
Encerrando os Atos, terminamos a história apostólica: passando para Romanos, começamos a doutrina apostólica. É a doutrina que nos permite entender o significado da história; enquanto a história nos permite apreciar a autoridade e o peso da doutrina.

ATOS 27


ATOS 27

Enquanto em Éfeso Paulo “propôs, em espírito ... ver também Roma” (At 19:21), e, o que é mais importante ainda, era o propósito do Senhor para ele – “assim importa que testifiques também em Roma” (At 23:11). Acabamos de traçar os caminhos de Deus nos bastidores, levando-se em conta que “se determinou que (nós) havíamos de navegar para a Itália”. Mais uma vez, Lucas usa “nós”, mostrando que agora era novamente um companheiro de Paulo assim que eles começaram nesta jornada, que seria tão cheia de desastres, e ainda assim teria um fim tão milagroso.
Olhando para as causas secundárias, Paulo poderia ter se arrependido amargamente de seu apelo a César, quando Agripa declarou que ele poderia ter sido colocado em liberdade. Olhando para Deus, tudo estava claro, e Paulo com outros prisioneiros começou a viagem. No entanto, embora a jornada fosse assim ordenada por Deus, não se seguiu que tudo se movesse com facilidade e suavidade, mas completamente o oposto; pois é registrado desde o início que “os ventos eram contrários” (v. 4). O fato de que as circunstâncias são contra nós não é prova de que estamos fora do caminho da vontade de Deus, nem circunstâncias favoráveis necessariamente signifiquem que estamos no caminho de Sua vontade. Não podemos deduzir com segurança das circunstâncias o que pode ou não ser a Sua vontade para nós.
As circunstâncias continuaram contrárias e o progresso foi entediante, “não nos permitindo o vento ir mais adiante” (v. 7), e a época perigosa do ano chegou quando era costume suspender as viagens em algum porto seguro. O lugar chamado “Bons Portos” foi alcançado, que apesar de seu nome não era um local adequado, e aqui um conflito de opinião se desenvolveu. O capitão estava desejoso de chegar a Fenícia, enquanto Paulo avisava que eles estavam prestes a cair em desastre e perda, não só para o navio e carga, mas também para suas vidas. O centurião romano, encarregado do grupo de prisioneiros, realizou o voto de desempate e, tendo escutado a voz da sabedoria mundana e da habilidade náutica, por um lado, e o entendimento espiritual, por outro, decidiu em favor do conselho do capitão.
Qualquer pessoa comum, sem dúvida, teria decidido como o centurião e quando de repente o vento se desviou e soprou gentilmente do sul, parecia que Deus estava favorecendo a decisão do centurião. Mas, novamente, vemos que as circunstâncias não fornecem orientação verdadeira; pois partiram apenas para serem apanhados pelo temido Euro-aquilão, o que perturbou todos os seus planos. Eles procederam por vista e não por fé, e tudo terminou em desastre. Eles tomaram todas as medidas possíveis para operar a sua própria salvação, mas sem resultado, de modo que, finalmente, toda a esperança foi abandonada. É fácil ver que tudo isso pode ser efetivamente usado como uma espécie de alegoria; representando as lutas da alma por libertação, seja da culpa ou do poder do pecado. Nada estava certo até que Deus interveio, primeiro pela Sua Palavra por meio de Paulo, e então pelo Seu poder no naufrágio final.
Foi quando eles estavam quase morrendo de fome e sem esperança que o anjo de Deus apareceu a Paulo. Quase uma quinzena havia se passado desde o início da tempestade e, até esse ponto, Paulo não tivera nada de autoridade para dizer. Mas agora a Palavra de Deus havia chegado a ele, afirmando que ele deve comparecer diante de César, e que ele e todos os que navegam com ele devem ser salvos. Deus, tendo falado, Paulo podia falar com autoridade e máxima certeza. Depois de quinze dias jogados de um lado para o outro em mares bravios, a sensação de todos deve ter sido deplorável e deprimente. Mas o que tinham os sentimentos a ver com o assunto? Deus havia falado, e a atitude de Paulo era: “creio em Deus”, apesar de todos os sentimentos do mundo.
Todas as probabilidades da situação também teriam rejeitado o que o anjo dissera. Que um pequeno veleiro, repleto de 276 pessoas, deveria ser naufragado e destruído, em dias em que não havia botes salva-vidas, e mesmo assim cada um dos 276 ser salvo era tão altamente improvável a ponto de ser declarado impossível. Mas Deus havia dito isso, então Paulo riu da impossibilidade e disse: “há de acontecer”. Além disso, sua fé era tão forte que ele não apenas disse isso em seu coração, mas também disse em alta voz o testemunho para as outras 275 pessoas a bordo. Suas palavras exatas foram: “há de acontecer assim como a mim me foi dito”. A salvação de todos ainda não havia acontecido, mas ele estava tão certo disso como se tivesse acontecido.
Fé foi simplesmente definida como “crer no que Deus diz, porque Deus diz isso”, e isso é bem apoiado pelas palavras de Paulo: “creio em Deus”. Neste caso, sentimentos, razão, experiência, as probabilidades da situação, tudo teria contradito a declaração divina, mas a fé aceitou o que Deus disse, embora tudo o tenha negado. Fé em nossos corações falará da mesma maneira. O testemunho divino para nós lida com assuntos muito maiores do que a salvação temporal apenas, e não nos chega da boca de um anjo, mas por meio dos Escritos Sagrados e inspirados, os quais agora temos impressos em nossa própria língua; mas a nossa recepção é para ser igualmente definida. Nós simplesmente cremos em Deus e, assim, estabelecemos nosso selo de que Deus é verdadeiro.
Os versículos 34-36 nos mostram que a atitude e as ações de Paulo corroboravam suas bravas palavras de fé. Assim, vemos ele exemplificando o que Tiago enfatiza em sua epístola: fé, se estiver viva, deve se expressar em obras. Se, tendo proferido palavras de fé, ele permanecesse deprimido e abatido como os demais, ninguém prestaria muita atenção às suas palavras. Mas ao invés disso, tendo anunciado palavras de bom ânimo, ele próprio evidentemente tinha bom ânimo. Ele deu graças a Deus, tomou comida e exortou os outros a fazer o mesmo. Suas obras, assim, atestando a realidade de sua fé, todos ficaram impressionados com isso. Eles também estavam de bom ânimo e tomaram comida. Até agora as circunstâncias não foram alteradas, mas foram alteradas como a confiança da fé encontrou um lugar em seus corações, pois forneceu-lhes “o firme fundamento [a concretização – JND] das coisas que se esperam e a prova [convicção – JND] das coisas que se não veem” (Hb 11:1). Todo o episódio é uma excelente ilustração do que é fé e como ela funciona.
Também ilustra como a fé é vindicada. Deus foi tão bom quanto a Sua Palavra, e toda alma foi salva. Sua promessa foi cumprida literal e exatamente, e não aproximadamente e com precisão tolerável, como é tão comum entre os homens. Podemos aceitá-Lo em Sua Palavra com absoluta certeza. No entanto, isso não significa que podemos nos tornar fatalistas e ignorar as medidas ordinárias de prudência. Isso também é ilustrado em nossa história. Depois que Paulo anunciou que todos deveriam ser salvos, ele não permitiu que os marinheiros fugissem do navio, uma vez que sua presença era necessária; e, mais tarde, quando todos haviam comido o suficiente, aliviaram ainda mais o navio lançando o trigo no mar. Eles não dobraram os braços e não fizeram nada como o fatalismo teria decretado, mas tomaram as medidas ordinárias de prudência, confiando na Palavra de Deus. O final foi realmente milagroso. De um jeito ou de outro, todos foram salvos.

ATOS 26


ATOS 26

Nesta ocasião não houve nenhum processo preliminar tedioso. Agripa imediatamente deu permissão a Paulo para falar por si mesmo. Assim libertado, ele foi capaz de dispensar todos os meros detalhes em defesa própria, e foi direto à mensagem a qual Deus havia confiado a ele, depois de reconhecer o profundo conhecimento de Agripa, e suplicar que fosse ouvido com paciência.
Começou afirmando que fora educado na mais estrita forma de judaísmo entre os fariseus, e que o que agora era acusado contra ele estava em conexão com a esperança que todo Israel alimentara desde os dias em que Deus deu Sua promessa. Essa esperança que eles ainda mantinham, mas Paulo sustentava que havia um cumprimento disso em Cristo, e particularmente em Sua ressurreição. Assim, desde o início de seu discurso, ele manteve a ressurreição bem em primeiro plano, como sendo o ponto principal da questão. No entanto, a ressurreição estava além dos pensamentos dos homens, fossem judeus ou pagãos; daí a sua pergunta: “Pois quê? julga-se coisa incrível entre vós que Deus ressuscite os mortos?” Seria absolutamente incrível se apenas homens estivessem em questão: Deus sendo introduzido – o real, verdadeiro e vivo Deus – seria incrível se assim não fosse.
Neste terceiro relato de sua conversão encontramos o apóstolo enfatizando grandemente a determinada e furiosa oposição a Cristo que o caracterizou no princípio. Ele era de fato “blasfemo, e perseguidor, e opressor [um homem prepotente e insolente – JND], como disse a Timóteo: ele se conduziu a ponto de estar “enfurecido demasiadamente” contra os discípulos e persegui-los até mesmo em cidades distantes. Foi assim que ele fez muitas coisas “contra o nome de Jesus Nazareno”. Foi ao meio dia, quando o Sol brilhava mais forte, que outra luz mais brilhante que o Sol o envolveu na estrada para Damasco, e a voz do Senhor foi ouvida. A luz incriada lançou a luz criada na sombra.
Várias características interessantes, não mencionadas nos relatos anteriores, aparecem aqui. A luz do céu lançou toda a companhia ao pó, e não apenas Paulo. Além disso, a voz estava em língua hebraica. Isso é notável, pois nos disseram anteriormente que, embora seus companheiros ouvissem a voz, nada lhes transmitia. Foi na sua própria língua, mas eles não entenderam. Eles foram afetados fisicamente, mas somente Paulo foi afetado espiritualmente. O elemento essencial na conversão não são grandes visões, nem sons maravilhosos, mas a obra vivificante do Espírito Santo. Jesus foi manifestado apenas a Paulo, e de tal maneira que ele descobriu que Ele era seu Senhor.
Quando ele reconheceu Jesus ser seu Senhor, foi-lhe dito claramente o que ele deveria fazer em relação à sua salvação pessoal. Isso aprendemos dos relatos anteriores. Aqui só nos é dito que, ao mesmo tempo, o Senhor disse-lhe com igual clareza, que Ele estava apreendendo-o para torná-lo o servo de Sua vontade de uma maneira muito especial. Ele deveria ser uma testemunha para os outros daquilo que acabara de ser revelado a ele, e de outras coisas que ainda seriam reveladas a ele pelo Senhor. Apenas aqui aprendemos sobre o modo como o Senhor o comissionou desde o início e quais eram os termos dessa comissão. Eles são muito impressionantes, e eles explicam completamente a notável carreira que temos traçado nos capítulos anteriores.
O propósito do Senhor era que ele fosse “livrado” ou tirado (JND) de entre o povo e dos gentios; isto é, ele deveria ser separado tanto de seu próprio povo, dos judeus e dos gentios, de modo a ficar em um lugar distinto de ambos. Muitas vezes tem sido dito que as palavras do Senhor: “Eu sou Jesus, a Quem tu persegues”, foram a primeira indicação de que os santos eram Seu corpo: talvez possamos dizer que as palavras que estamos considerando agora sejam a primeira indicação do lugar distinto que a Igreja ocupa, chamada para fora dos judeus e dos gentios. Paulo começou por ser colocado no lugar em que foram trazidos todos aqueles que creram no evangelho que ele foi comissionado para pregar.
Mas, como diz o final do versículo 17, ele foi especialmente enviado aos gentios. Como já notamos antes, ele foi abençoado por muitos judeus, enquanto seguiu sua comissão no mundo gentio; foi só quando ele se virou para o lado para se dirigir especialmente aos seus irmãos judeus, que ele falhou em alcançá-los. Quão plenamente nos adverte que nosso Mestre deve ser supremo e que nossa sabedoria é cumprir o Seu plano para nossas vidas e serviço. Aos gentios ele deveria ir, para “lhes abrires os olhos”.
Este foi um novo começo nos caminhos de Deus, pois até agora os gentios haviam sido deixados seguir seu próprio caminho. Estavam em trevas e na ignorância, mas agora seus olhos deveriam ser abertos.
Se, por meio dos trabalhos de Paulo, seus olhos estivessem efetivamente abertos, eles se afastariam das trevas e do poder de Satanás para a luz e para Deus. Isto é o que entendemos por conversão. Deve, é claro, envolver a convicção do pecado, pois nenhum de nós pode entrar na luz de Deus sem que essa convicção seja formada em nós. Mas então, como resultado da mudança, há a recepção do perdão. Existe o divino ato de perdão em que podemos nos regozijar, e não apenas isso, mas também entramos em uma herança que compartilhamos em comum com todos aqueles que estão separados para Deus. Perdão é o que podemos chamar de bênção negativa do evangelho e a herança é a positiva. O perdão é uma perda e não um ganho – a perda de nossos pecados; do amor a eles, bem como da pena a qual eles implicam. A herança é o que ganhamos.
E tudo isso é “pela fé em Mim”. Aqui temos o caminho pelo qual a bênção é alcançada. Não por obras, mas por fé; e dessa fé, Cristo é o Objeto. A virtude não está na fé, mas no Objeto em Quem a fé repousa. Assim, desde o momento de sua conversão, o futuro curso e ministério de Paulo foi assinalado para ele e, por revelação do Senhor, foi-lhe dada a mensagem que ele deveria pregar. Temos, então, no versículo 18, um resumo completo das bênçãos que o evangelho traz para aquele que o recebe em fé. Os olhos de seu coração e mente estão abertos para a verdade; ele é trazido das trevas para a luz e do poder de Satanás para Deus; seus pecados são perdoados e ele sabe disso; ele compartilha da herança comum com aqueles que também são separados para Deus.
Tendo recebido estas instruções, Paulo tinha sido fiel à sua comissão, e começando onde estava e alargando-se para as nações, ele mostrou aos homens em todos os lugares qual deveria ser a sua resposta ao evangelho. Eles deveriam se arrepender; eles deveriam se voltar para Deus; eles devem fazer obras de acordo com o arrependimento que professam. O arrependimento envolve a vinda para a luz que capacita a pessoa a ver e julgar a própria pecaminosidade, e então a confissão dela diante de Deus. Ora, quanto mais vemos nosso próprio pecado, mais desconfiamos de nós mesmos; quanto mais desconfiamos de nós mesmos, mais aprendemos a confiar em Deus: consequentemente, converter-se para Deus é seguido por uma negação de nós mesmos. Tudo isso é um processo interior de mente e coração de natureza mais ou menos secreta, mas, se for real, logo produz ações e trabalha em sintonia com a conversão. Se não houver “obras dignas de arrependimento”, podemos ter certeza de que o arrependimento declarado não é algo genuíno. Paulo insistiu em todas as três coisas, e ele sabia, é claro, que não são apenas o caminho designado por Deus, no qual as bênçãos do evangelho são recebidas, mas elas mesmas são produzidas pelo evangelho, onde ele é recebido em fé.
Ora, era exatamente isso que tanto instigava a animosidade dos judeus, pois se esse era o meio de entrar no favor de Deus, estava tão aberto aos gentios quanto aos judeus. Mas ele deixou muito claro a Agripa que o que havia sido predito por Moisés e pelos profetas era a base de tudo o que ele havia pregado. Ele anunciou o sofrimento de Cristo; Sua ressurreição; e que, como Ressuscitado, Ele deveria trazer a luz de Deus a toda a humanidade – não apenas judeus, mas gentios também. Quão claramente este último ponto é declarado em Isaías 49, assim como a morte e ressurreição de Cristo são preditas em Isaías 53.
No versículo 23, então, temos um claro testemunho prestado a Agripa, Festo e a todos os outros presentes, quanto à gloriosa base sobre a qual de fato repousa o evangelho. Na verdade, podemos dizer que primariamente a pregação do evangelho é a declaração desses fatos, e precisamos mantê-los na linha de frente de nossa pregação hoje tanto quanto nos dias de Paulo. Então, como vimos, o versículo 18 nos dá as bênçãos que o evangelho confere; e no versículo 20, o modo pelo qual as bênçãos do evangelho são recebidas.
Para a mente pagã dos romanos, a ideia de ressurreição era simplesmente inadmissível, como Paulo havia antecipado na abertura de seu discurso, de modo que a menção de Cristo ressuscitado dos mortos levou Festo a uma alta exclamação. Quantas vezes por meio dos séculos o Cristão foi acusado de loucura! Aqui está a primeira ocorrência registrada da provocação que está sendo lançada pelo homem do mundo. No entanto, não foi um abuso vulgar, pois Festo era um romano polido. Ele pelo menos atribuiu a “loucura” de Paulo a um excesso de estudo e aprendizado. Mesmo assim ele pensou que Paulo estava louco! 
A defesa de Paulo estava se movendo em sua dignificada simplicidade. Ele dirigiu-se a Festo de uma maneira que se convinha à sua alta posição, e então afirmou que, ao contrário, o que ele dissera eram “palavras de verdade e de perfeito juízo” (TB). Para Festo, era tudo um romance de uma mente intoxicada, pois os deuses que ele venerava não exerciam nenhum poder além do túmulo. O homem fraco pode matar e derrubar até o túmulo – isso é uma coisa fácil: somente do Deus vivo se pode dizer: “O Senhor é o que tira a vida e a dá: faz descer à sepultura e faz tornar a subir dela (1 Sm 2:6). Almejemos todos assim declarar o evangelho de forma que nossos ouvintes possam reconhecer que estamos falando da sóbria verdade.
Tendo respondido a Festo, Paulo lançou um apelo a Agripa, sabendo que ele professava crer nas Escrituras proféticas, portanto, saberia que o que ele pregava foi de fato predito ali. O apelo evidentemente atingiu sua consciência. A resposta de Agripa, tememos, não era uma confissão de que ele estava quase convencido da verdade do evangelho, mas sim de uma tentativa semi-jocosa de se livrar do efeito do apelo. Ele disse de fato: “Dentro em pouco você estará fazendo de mim um Cristão!” De suas palavras, é evidente que o termo “Cristão”, cunhado pela primeira vez em Antioquia, tinha agora obtido ampla circulação. Por ele os discípulos foram descritos com muita precisão. Na réplica de Paulo há uma dignidade moral que não é facilmente superada. Um pobre prisioneiro está em meio a grande pompa e magnificência e deseja a seus augustos juízes que eles sejam exatamente como ele é, exceto por suas cadeias! Enquanto os anjos olhavam abaixo para aquela visão, viram um herdeiro de eterna e superior glória em pé diante dos cacos de barro, vestidos por um breve momento em uma demonstração de mau gosto. Paulo sabia disso, e que não havia nada melhor para qualquer homem do que ser tal qual ele era.
Isso encerrou a sessão. Paulo teve a última palavra; e nos regozijamos ao notar como ele, cheio do Espírito Santo, está de pé no auge do grande chamamento que o tinha alcançado – o chamamento que nos alcançou também.
Mais uma vez também sua inocência é declarada pela autoridade competente. Se ele não tivesse apelado para César, ele poderia ter sido libertado.

ATOS 25


ATOS 25

Tendo Festo chegado ele subiu a Jerusalém depois de três dias, e tal foi a animosidade contra Paulo que imediatamente o sumo sacerdote e outros líderes o acusaram, e pediram a Festo que fosse trazido a Jerusalém. Embora anos tivessem passado, eles ainda cumpririam seu voto e fariam sua vingança. Tal é o rancor religioso! Festo, no entanto, recusou isso, então mais uma vez seus acusadores tiveram que viajar para Cesareia. Essa segunda audiência foi praticamente uma repetição da primeira, como é mostrado nos versículos 7 e 8. Paulo tinha apenas que rebater um grande número de afirmações não provadas. Ora Festo, como mostra o próximo capítulo, não tinha nenhum conhecimento íntimo das coisas judaicas; Ainda assim, sabendo que era um povo difícil de lidar, desejou obter seu favor e assim sugeriu que, depois de tudo, Paulo poderia ir a Jerusalém para seu julgamento final.
Nesta súbita mudança da parte de Festo podemos ver a mão de Deus. Durante a noite que se seguiu ao alvoroço no concílio, o Senhor apareceu a Paulo e disse-lhe que ele deveria dar testemunho d’Ele em Roma, e agora Ele controla as circunstâncias para que isso aconteça. A sugestão de Festo levou Paulo a apelar a César, um privilégio que lhe pertencia como cidadão romano. Paulo sabia que a mudança de lugar proposta era o prelúdio de ser entregue a seus inimigos, embora Festo soubesse muito bem que não fizera nada errado. Se Festo começou a ceder ao clamor a fim de aplacar os judeus, ele acabaria cedendo tudo. O apelo de Paulo resolveu tudo. Tendo apelado para César, para Roma ele deve ir. Esta é a terceira ocasião em que encontramos Paulo tomando sua posição sobre sua cidadania romana, e aqui, evidentemente, foi feito para servir e executar o propósito de seu Senhor.
A vinda de Agripa e Berenice para saudar Festo tornou-se a ocasião para Paulo dar um terceiro testemunho perante governadores e reis, e agora temos uma visão muito mais completa do modo poderoso em que ele apresentou a verdade. Ele não falhou anteriormente em transmitir até mesmo a Festo aquilo que estava no coração de toda a questão, pois ao falar com Agripa de seu caso, Festo declarou a controvérsia ao redor de “um tal Jesus, morto, que Paulo afirmava viver”. Isso mostra que, apesar de pagão como era e sem real entendimento, ele havia alcançado o fato central do evangelho. A morte e ressurreição de Cristo estão na base de todas as bênçãos e da declaração completa do amor de Deus. Nós sabemos algo disso, enquanto ele não sabe nada disso. Ainda assim, Paulo tinha tornado isso claro.
Que tudo isso era um mistério para Festo, apesar de ter corretamente percebido o ponto da questão, fica evidente de seu discurso a Agripa, quando o tribunal se reuniu, Paulo foi trazido e o processo começou. Ele não tinha nada certo para escrever ao seu senhor, o imperador em Roma e esperava que Agripa, com seu conhecimento superior da religião judaica, pudesse ajudá-lo a entender mais claramente o que estava em jogo e saber o que dizer.

ATOS 24


ATOS 24

A carta escrita por Cláudio Lísias é um documento bastante típico, no qual ele apresentou suas próprias ações sob a luz mais favorável; mas, por outro lado, exonerava inteiramente a Paulo qualquer coisa realmente má ou digna de morte. As únicas acusações contra ele eram sobre “questões da lei deles” (TB). Assim fica claro que o primeiro oficial romano em cujas mãos ele caiu, rapidamente se convenceu de que as acusações contra ele eram quanto à sua fé, e não havia culpa nele quanto a questões de conduta. Deus, evidentemente, cuidou para que isso se tornasse abundantemente claro.
Assim foi ordenado que o propósito dos quarenta homens fracassasse, apesar de seu voto e maldição. Paulo estava em segurança nas fortes mãos de Roma, e no devido tempo seria capaz de expor seu caso em uma atmosfera mais calma, e levar o Nome de seu Mestre diante de “os gentios e reis”, bem como os filhos de Israel, como havia sido predito por Ananias. Antes de tudo ele teve que comparecer perante Felix, o governador.
A acusação de Paulo diante do governador carrega todas as marcas de amargo ânimo e preconceito. O fato de que não só os anciãos, mas até mesmo Ananias, o sumo sacerdote, achasse necessário descer para se apresentar contra ele, mostra a importância que deram ao seu caso. Então eles empregaram um advogado que, a julgar pelo seu nome, era um romano e não um judeu. Tértulo, eles sem dúvida achavam, saberiam melhor do que eles o que atrairia a mente romana, e assim teriam mais chances de garantir uma acusação. Tértulo sabia e começou com exagerada bajulação, pois o relato dado sobre a administração de Félix na história secular está em plena oposição ao que ele afirmou. A isso seguiu-se uma acusação quádrupla contra Paulo. Todas as quatro acusações eram vagas, particularmente a primeira, que ele era uma peste, e a segunda que ele era um promotor de sedições. Acusações vagas eram preferidas, pois ele sabia que elas não poderiam ser facilmente desmentidas como normalmente acusações claramente definidas podem ser.
A terceira e quarta acusações foram um pouco mais definidas. A quarta, quanto a profanar o templo, era falsa, como mostrava o capítulo anterior: a terceira era a única com alguma aparência de verdade. Ele provou ser um líder entre os Cristãos, que eram conhecidos pelos judeus como a seita dos nazarenos. Eles eram de fato seguidores do desprezado Nazareno, mas eram enfaticamente não apenas uma nova seita entre os judeus. O livro de Atos foi escrito para nos mostrar que eles não eram isso, mas sim algo inteiramente novo. O mundo nunca entende qualquer obra genuína de Deus.
Tértulo teve o cuidado de apresentar a ação de Lísias sob uma luz desfavorável, já que ele havia reprimido a violência dos judeus; e os judeus apoiaram as afirmações de seu advogado. Os judeus forneceram o ânimo e usaram o gentio como sua ferramenta, como fizeram no caso do Senhor.
A resposta de Paulo foi em todos os aspectos um contraste com a oratória de Tértulo. Ele reconheceu que Felix teve muitos anos de experiência como juiz entre os judeus, mas se absteve de lisonja. Ele evitou asserções vagas, negando explicitamente quaisquer disputas e sedições, e salientando que apenas doze dias haviam se passado desde o momento em que ele pusera os pés em Jerusalém. Ele mostrou que, embora tivessem feito muitas acusações, não haviam fornecido provas e não podiam fazê-lo. Então, fazendo uma confissão simples e clara do que o caracterizara, e o que realmente estava no fundo da hostilidade deles, lançou em destaque aquilo que estava no fundamento do evangelho que ele pregava. Eles chamavam isso de heresia, mas era o próprio fundamento da verdade.
Desta forma, com habilidade, Paulo anunciou sua crença em tudo o que havia sido escrito no Velho Testamento, e mostrou que todas as esperanças Cristãs são baseadas na ressurreição, a qual, é claro, foi confirmada em Cristo. E é igualmente certo que haverá uma ressurreição para os injustos. Isso foi, evidentemente, um tiro dirigido à consciência de Felix, bem como a todos os outros presentes. Ninguém permanecerá enterrado na sepultura para escapar da mão poderosa de Deus em julgamento.
Tendo proclamado sua fé nas Escrituras e na ressurreição, Paulo prosseguiu afirmando que sua conduta estava de acordo com o que ele cria. Sua consciência era clara, e ele só tinha vindo a Jerusalém em uma missão de misericórdia, e quando no templo, seu comportamento tinha sido perfeitamente ordenado e correto. Foram os judeus da Ásia que provocaram o tumulto, não ele; e agora que havia oportunidade para que eles apresentassem suas acusações contra ele de uma maneira ordenada, eles não estavam lá para fazê-lo.
Mas havia judeus presentes que o haviam visto comparecer diante do conselho, e ele sabia que eles não encontravam nenhuma falha nele, a não ser que declarava sua crença na ressurreição. Paulo não tinha dúvida de que era a facção dos saduceus que o perseguia tão implacavelmente e que comparecia contra ele, e ele teve o cuidado de deixar bem claro para Felix que sua crença na ressurreição dos mortos, como se verificou na ressurreição de Cristo, foi o verdadeiro ponto da questão. Pode ser também que Paulo quisesse reconhecer que a maneira pela qual ele clamara no conselho não tinha sido completamente livre de culpa.
Felix, como aprendemos no versículo 24, tinha uma esposa judia, e assim estava bem informado sobre as coisas, e percebeu imediatamente que não havia nada de mal em Paulo. Ele suspendeu a corte sob o pretexto de esperar por Lísias, o tribuno, então mais uma vez os acusadores foram frustrados, especialmente porque o adiamento era “sine die”[1], como nossos tribunais colocam. Entrementes, Paulo recebeu uma medida extraordinária de liberdade, na qual novamente podemos ver a mão dominadora de Deus.
Não há registro de Lísias descendo, mas nos é dito como Félix, com Drusila sua esposa, chamaram por Paulo e lhe deram uma audiência privada, enquanto ele testificou da fé em Cristo. Esta foi uma grande oportunidade, e Paulo, evidentemente, conhecia o caráter fraco e corrupto do governador, e assim enfatizou a justiça, temperança e julgamento vindouro. Podemos tomar a justiça como resumo da mensagem do evangelho, como Romanos 1:16-17, mostra tão claramente. A temperança ou controle próprio é o resultado do evangelho na vida de quem o recebe; e o julgamento vindouro é o que aguarda aqueles que o rejeitam. Assim, embora o resumo dado do discurso de Paulo seja extremamente breve, podemos ver que as três palavras abrangem os fatos salientes do evangelho.
Havia grande poder com a mensagem e Félix tremia, mas ele adiou a questão para aquela “ocasião favorável” (AIBB), que tantas vezes nunca chega. Foi assim neste caso. Dois anos se passaram antes que Felix fosse substituído por Festo, e durante esse período houve várias entrevistas, nada aconteceu, e Felix deixou Paulo preso no esforço de alcançar favor os judeus. O verdadeiro cancro no coração de Felix era o amor ao dinheiro. Seu caso ilustra de forma impressionante como pode haver uma obra poderosa do Espírito por meio do evangelho de forma exterior no homem, mas como qualquer trabalho no coração e a consciência interior podem ser sufocados por alguma concupiscência ativa, como o amor ao dinheiro. A verdadeira conversão ocorre quando a obra exterior do Espírito é complementada e correspondida pela obra interior do Espírito.


[1] N. do T.: Sem fixar uma data futura.

ATOS 23


ATOS 23

À medida que abrimos este capítulo, encontramos Paulo em pé diante deste augusto corpo, e poderíamos ter esperado que ele desse o mais impressionante e convincente discurso de sua vida. Em resultado, no entanto, houve um mínimo de testemunho e um máximo de confusão. O comentário inicial de Paulo ficou amargamente ressentido, embora possamos ver que era verdade. Uma consciência “boa” é adquirida e mantida à medida que realizamos com sinceridade e rigidez tudo o que a consciência nos orienta. O fanático com consciência pervertida ou não iluminada faz as coisas mais escandalosas a fim de preservar sua “boa” consciência. Assim Paulo tinha agido em seus dias não convertidos, e desde sua conversão ele tinha com sinceridade observado as advertências de sua consciência, agora iluminada e retificada. Quão claramente isso nos mostra que a consciência em si mesma não é um guia seguro: deve ser iluminada pela Palavra de Deus. Seu valor depende inteiramente da medida em que é controlada pela Palavra.
Irritado com esta declaração de abertura, o sumo sacerdote ordenou que Paulo fosse ferido na boca, violando assim a lei que estipulava que um ofensor só deveria ser espancado depois de um julgamento apropriado, e somente de maneira apropriada (Dt 25:1-3). Essa injustiça manifesta levou Paulo a uma afiada réplica; muito apropriada, mas não admissível como dirigida ao sumo sacerdote. Tendo o conselho sido convocado desta maneira apressada e informal, provavelmente não havia nada em seu traje para distingui-lo; contudo, quando o erro foi apontado, Paulo imediatamente reconheceu sua culpa e citou a passagem que proibia o que ele havia feito. Ele foi incapaz de perguntar com toda a certeza: “quem dentre vós Me convence de pecado?” como o seu Senhor tinha feito.
Houve imediatamente um movimento extremamente astuto da parte de Paulo. Ele se apresentou como fariseu, e como sendo questionado sobre a esperança da ressurreição. Sem dúvida, ele era fariseu por nascimento e formação inicial e, sem dúvida, a ressurreição está no próprio fundamento do evangelho. Sua exclamação teve o efeito que ele previu. Ele ajuntou os fariseus em seu auxílio, enquanto antagonizava violentamente aos saduceus. Eles eram todos homens partidários, vendo tudo do ponto de vista do partido. Assumindo que ele fosse do grupo deles, os fariseus penderam em seu favor. A verdade e a justiça não valiam com eles, mas o partido contava. O mesmo tipo de coisa é muito comum hoje em dia, e os Cristãos não estão imunes a isso; então vamos aceitar o aviso que nos é transmitido aqui.
Por todo o livro de Atos, o partido dos saduceus aparece como o principal opositor do evangelho. Por causa da sua visão materialista, negavam a ressurreição. Aqui temos nosso último vislumbre deles enquanto protestam furiosamente contra a súbita mudança de posição dos fariseus, e usam um tal vigor físico que Paulo poderia ter sido feito em pedaços. Sua violência derrotou seu propósito, pois forçou o tribuno a intervir, e Paulo foi, pela segunda vez, resgatado das mãos de seu próprio povo.
Quão lindo é o versículo 11! Não nos é dito nada sobre os sentimentos de Paulo, mas da mensagem do Senhor para ele de bom ânimo certamente se deduz que ele estava deprimido. Não podemos deixar de pensar que todo esse episódio de Jerusalém havia caído abaixo do alto padrão que caracterizara todo o seu serviço anterior; todavia ele certamente testificou de seu Senhor. Seu gracioso Mestre fixou-se nesse fato, reconheceu-o e disse-lhe que ainda estava por prestar testemunho em Roma – Jerusalém, o centro religioso, Roma, o centro imperial e governamental da Terra daqueles dias. Que conforto para o espírito de Paulo!
No dia seguinte, houve a conspiração da parte de mais de quarenta homens para matar Paulo. A natureza da maldição sob a qual eles se vinculam testemunha a ferocidade de seu ódio, de modo que parece que eles eram do grupo dos saduceus que havia sido privado de sua vítima no dia anterior. Os chefes dos sacerdotes também eram daquele partido, e assim não havia nada contrário envolvido nesse negócio. Eles deveriam fingir que queriam examiná-lo ainda mais, e os quarenta homens estavam prontos para matá-lo.
Novamente encontramos a mão de Deus frustrando suas artimanhas. A história – como sempre nas Escrituras – é contada com brevidade e contenção. Descobrimos que Paulo tinha uma irmã e um sobrinho em Jerusalém, mas como o jovem conseguiu informações sobre o plano que não nos é dito. Deus viu, contudo, que chegou aos seus ouvidos, embora tenha sido traçado apenas algumas horas antes, e também lhe deu coragem para revelá-lo. Por ele ter tido acesso tão fácil ao tio, e que o pedido de Paulo para que o sobrinho tivesse acesso ao tribuno encontrasse uma resposta tão cortês, conseguimos traçar o predomínio de Deus; embora muito provavelmente o comportamento ultrajante dos judeus tenha provocado uma reação na mente do tribuno em favor de Paulo. Como resultado, ele não apenas escutou o jovem, mas o aceitou sem hesitar, e imediatamente tomou medidas para frustrar a conspiração.
O restante do capítulo nos dá um vislumbre da eficiência que marcou o sistema militar romano. O tribuno agiu com a maior prontidão em sua decisão de remeter Paulo ao governador civil em Cesareia. Ele cuidou também de não correr riscos. Ele conhecia a fúria vingativa dos judeus quando questões religiosas estavam em jogo; então ele não cometeu o erro comum de subestimar o perigo. A força militar que tomou conta de Paulo deve ter chegado a praticamente quinhentos homens, uma proporção de doze para um contra possíveis assassinos. Toda consideração foi dada ao prisioneiro, até mesmo ao ponto de fornecer animais para ele montar.